Os sutras sempre começam com Ananda dizendo, "Assim eu ouvi..." Isto é muito significativo, nos diz muito. Ananda, que se lembrava de todas as palavras do Buddha, não clamou que os ensinamentos viessem dele próprio. Ele disse claramente que está simplesmente repetindo as palavras que ouviu do Buddha Shakyamuni.
Hoje em dia, todos querem ser originais, especialmente os gurus. Li livros de gurus modernos que afirmam que seus ensinamentos são a sua própria descoberta. De alguma forma, as pessoas nesta sociedade moderna parecem ser atraídas para coisas novas e originais. Mas aqui, não estamos procurando as invenções de alguém, estamos olhando para o Dharma puro e autêntico, as palavras do Buddha.
Vivemos em um mundo onde somos atormentados pela constante insegurança. A espiritualidade tornou-se um negócio, então os professores espirituais como eu sempre sentem a necessidade de gerar mais negócios. Dada esta insegurança, sabendo do ponto fraco das pessoas, é bem fácil vender espiritualidade. Alguns de vocês podem ser homens ou mulheres de negócios. Então, estou certo de que vocês sabem o que nos leva a vender coisas. Primeiro, você diz às pessoas que há algo que elas devem ter, algo que elas não têm. Então, você lhes diz que o lugar para comprar é aqui, de mim. Eu tenho o que você precisa.
O Buddha disse:
Não confie na pessoa, mas confie nos ensinamentos.
Não confie nas palavras, mas confie no significado.
Este é um grande conselho. Quando entramos no caminho espiritual, é importante sermos muito cuidadosos.
Há duas abordagens básicas para o caminho espiritual. Idealmente, nossa intenção de praticar o caminho espiritual deve ser o atingimento da iluminação. É isso. Parada completa. Mas, por causa de nossos padrões habituais, há uma abordagem diferente, tanto no Oriente quanto no Ocidente.
No Oriente, o buddhismo tornou-se algo como uma religião. As pessoas praticam o buddhismo para obter vida longa, prosperidade, para melhorar seus negócios, por ganho pessoal, para dissipar certos espíritos e assim por diante. Então, as pessoas não têm a meta da iluminação. Eles têm a meta de decorar esta vida.
Não é melhor no Ocidente. No Ocidente, o Dharma também não é realmente dedicado à iluminação. Aqui, as pessoas praticam o Buddhadharma principalmente para se acalmarem, para se curarem, para relaxarem... para a assim chamada "automelhoria".
O Buddha não ensinou o Dharma para este tipo de ganhos mundanos. Talvez pensemos, já que somos pessoas espirituais, não estamos procurando por ganhos materiais. Mas ainda estamos procurando por algum tipo de ganho mental. Queremos ter uma vida feliz. Ambos são considerados ganhos mundanos. Se tivermos esse tipo de motivação, o buddhismo é um caminho que devemos evitar.
O caminho buddhista é basicamente uma má notícia do ponto de vista do ego. Quanto mais praticamos e estudamos o buddhismo, mais chocante ele se torna para o nosso ego, mais ele irá contra o nosso egoísmo. Então, devemos pensar muito cuidadosamente sobre o que é que nós queremos. Não é muito tarde, ainda podemos sair dele.
Vamos falar sobre estes ganhos mundanos — pessoalmente, tenho muito deste problema. Atisha Dipankara, um dos maiores eruditos buddhistas da Índia, tinha um modo maravilhoso de colocar isto. Ele disse: "Oito coisas fazem uma pessoa ficar fraca". Ele estava se referindo aos oito dharmas mundanos, ou oito armadilhas nas quais caímos:
[1] querer ser louvado;
[2] não querer ser criticado;
[3] querer ganhar;
[4] não querer perder;
[5] querer ser feliz;
[6] não quere ser infeliz;
[7] querer ser famoso;
[8] não querer ser infame ou ignorado.
Estes são muito importantes. Devemos memorizá-los, de modo que de tempos em tempos podemos verificar se estamos caindo em uma destas armadilhas, ou até mesmo em todas elas. Eu faço isso. Isso é o núcleo básico da minha prática, verificar se estou caindo em qualquer uma destas armadilhas. São fáceis de lembrar: louvor e crítica; ganho e perda; prazer e dor; fama e infâmia.
Então, devemos verificar se caímos em qualquer uma destas armadilhas. Eu caio em todas elas, especialmente na primeira, querer ser louvado. Sempre gosto de ser louvado, essa é a minha maior fraqueza. Estou certo de que isto acontece com muitos de nós; palavras pequenas, superficiais, inúteis e ridículas de louvor podem nos fazer realmente, realmente fracos. O mesmo acontece com a crítica; algumas palavras ridículas e insignificantes de crítica podem nos ferir para sempre.
Penso que todos vocês sabem do que estou falando: como gostamos de ganhar, como não gostamos de perder; o quanto amamos a atenção; o quanto não gostamos de ser ignorados... Todas estas são armadilhas. Se cairmos em uma destas armadilhas, nos tornaremos fracos.
Eu caio nestas oito armadilhas todo o tempo. Não quero perder amigos, quero ser louvado, não quero ser criticado, quero ganhar discípulos, quero ter atenção, não quero ser ignorado. Então, o que faço? A fim de obter o que quero e de evitar o que não quero, eu termino massageando o ego de outras pessoas.
Idealmente, se eu fosse um professor de verdade, eu deveria estar lhes dizendo o que vocês precisam ouvir, o que pode ser bem doloroso. Se eu realmente assumir seriamente o meu papel de amigo espiritual, isto irá ferir o seu ego. A linha de fundo é que o caminho espiritual é ir além do desejo do ego. Peço desculpas por dizer isto, mas este é o único caminho.
Então, se quisermos ser praticantes espirituais, se quisermos ser fortes, precisamos nos exercitar, por assim dizer. Atisha Dipankara nos dá um modo maravilhoso de treinar, chamado lojong. Lojong é uma palavra tibetana que significa "treinamento da mente". O treinamento é basicamente lembrar de nos perguntarmos em qual destas armadilhas estamos caindo.
Vamos retornar à questão anterior, de que tipo de motivação temos. Esse é a linha de fundo de tudo. Estamos sérios quanto a atingir a iluminação? Ou estamos fazendo tudo isto apenas por relaxamento ou cura? Ou talvez porque estamos tendo muitos problemas e obstáculos em nossa vida, e queremos apenas nos recuperar disso? Lembrem-se que isto pode realmente funcionar em certa medida. Se praticarmos o Dharma com este tipo de motivação, podemos realmente obter alguns benefícios mundanos, mas não estaríamos usando o potencial completo do Dharma. Por isso, não estaríamos praticando nem mesmo o Dharma real, mas sim algum Dharma de mentira, falsificado.
Então, nossa motivação é muito importante. Se tivermos este segundo tipo de motivação, a motivação de praticar o caminho espiritual a fim de atingir a onisciência ou iluminação, então temos de ter um caminho completo. Agora, o que faz um completo caminho? Um caminho completo tem de ter visão, meditação e ação. Por favor, tomem nota disto, isto é muito importante. Percebi que no Ocidente há muitos métodos sem qualquer visão. Parece ser toda uma pletora de métodos, várias meditações, música da Nova Era, re-nascimento, re-morte... Lembrem-se, estes são bons como métodos. Não estou criticando o método em si, mas vocês têm de ter uma visão. Se não tiverem uma visão, ele não os conduzirá a muitos lugares; pode curar alguns ferimentos ou temporariamente matar a dor com algum analgésico. A visão é muito importante. A visão determina a meditação e a ação.
Então, como obtemos esta visão? Através do estudo. E através da investigação daquilo que estudamos. Isto é algo realmente extraordinário sobre o caminho que o Buddha Shakyamuni ensinou. Ele nos deu a liberdade de questionar. Vocês podem perguntar questões, podem argumentar, podem analisar dentro de sua capacidade de lógica e de senso comum. Então, devem estudar e finalizar a visão, e baseados nisso, vocês obtêm confiança no caminho. Então, vocês escolhem muitos métodos.
Neste ponto, poderíamos dizer que a nossa visão é ter renúncia. O que queremos dizer com renúncia? Quando assistimos um filme, isso é uma renúncia genuína. Por quê? Porque conforme assistimos o filme, apesar de todos os tipos de coisas acontecerem na tela, sabemos que é apenas um filme, é tudo de mentira. Pode haver relacionamentos amorosos, ou suspense; podemos até mesmo ser levados às lágrimas, mas em algum lugar dentro de nossa mente, sabemos que isto é apenas um filme.
Quando sentimos vontade de ir ao toalete durante o filme, por exemplo, podemos ter a coragem de levar e ir. Não é uma grande coisa, não estamos realmente presos. É por isso que chamamos isto de renúncia — temos a visão correta quanto a isto. Já que sabemos do aspecto fútil da vida, há uma renúncia genuína. Por outro lado, neste grande filme que chamamos de nossas vidas, poucos de nós temos este tipo de coragem.
Claro que a renúncia não significa que, já que percebemos que isto é um filme, devemos sair do cinema e fazer um grande voto de nunca mais assistirmos um filme novamente. Simplesmente perceber que isto é um filme mudou toda a nossa atitude diante dele. Não temos de parar de assistir. Podemos ainda assistir, mas agora, por causa deste conhecimento, não nos prendemos; ele não se tornou uma grande coisa. Esse é um tipo de pequena iluminação.
Isto é o que precisamos, mas perceber que isto é um filme é bem difícil. Nós sempre ficamos paralisados. Sempre terminamos pensando que é real. E quando nos sentamos aqui, totalmente absortos no filme, rindo, chorando, completamente perdidos nele, de alguma forma, por causa de nosso bom karma, por causa de nosso mérito, a pessoa ao nosso lado nos dá um tapinha no ombro e diz, "Não se preocupe. É apenas um filme". Essa pessoa é o nosso professor.
Ter essa oportunidade de sentar próximo de alguém que realmente tem a sabedoria e a bondade de nos dizer isto — é muito difícil também. Precisamos ter muito mérito. Por exemplo, assim que esta pessoa nos diz que isto é apenas um filme, a pessoa atrás de nós poderia tossir, e então podemos perder a oportunidade de ouvir isto. Coisas assim acontecem todo o tempo. Isso é simplesmente falta de mérito.
Obtemos este mérito através da lembrança da visão, de novo e de novo; através de lembrança de verificar em quais destas oito armadilhas estamos caindo; através de todos os tipos de meditações diferentes.
Então, agora eu diria, entender o aspecto fútil de nossa vida é a visão. Ter esta visão não significa que temos de nos tornar monges e monjas, ou ir a Kathmandu e viver em uma caverna. Não, o conhecimento é mais importante. O conhecimento de que isto é fútil não significa que vocês devem se demitir do seu trabalho. Vocês ainda devem continuar com o seu trabalho. Se tiverem a oportunidade de se tornarem milionários, então por que não? Vocês devem apensar fazer isto — mas sempre conhecendo a identidade verdadeira, sempre lembrando da realidade da situação.
Então, torna-se realmente divertido. Assistir um filme, sabendo que é um filme, e ainda experienciando toda a emoção, é divertido. Porque temos controle. A qualquer hora que não tenhamos controle, a qualquer hora que algum outro tiver o controle, não é divertido. Nesta hora temos o controle. Sabemos que é de mentira.
Bem agora, em nossa vida diária, não temos controle, não temos divertimento. Pensamos que tudo o que está acontecendo também é verdade. Apenas pensem sobre os relacionamentos que estamos tendo. Ter um relacionamento é supostamente algo legal que acontece em nossa vida, mas é realmente legal? No momento em que o relacionamento começa, a insegurança começa, a expectativa começa, o medo começa. E nunca terminam, repetem-se todo o tempo: quantas vezes tivemos uma namorada, quantas vezes mudamos de namorados? Sempre parece ser a mesma coisa. Não há o Sr. Correto, a Sr.ª Correta, não há situação correta aqui. Por quê? O problema não é que as situações corretas não surjam. Não é realmente isso. Mas sempre temos uma expectativa, temos esperanças e medos. E esses nos levam a desapontamentos. E até mesmo se acontecer de conseguirmos o que esperamos, então a expectativa não pára. Ele se multiplica. Agora, as expectativas são reforçadas, obtivemos o que queríamos, então esperamos mais, temos até mais expectativas.
Então, o que podemos fazer é desenvolver expectativas sábias. Isto é parte do lojong, parte do treinamento da mente. Quando acordamos, por exemplo, verificamos: "Estamos em boa condição? Estamos felizes? Estamos bem?" Estamos bem, estamos felizes, estamos bem. Então, formamos uma expectativa sábia: "Isto não durará, isto nunca durou antes, isto mudará". E efetivamente a nossa felicidade durará mais por causa disso. E então, quando estivermos atravessando dificuldades, quando tivermos todos estes problemas, todas estas dores de cabeça, pensamos: "Isto não durará. Muitas vezes tive problemas no passado, mas eu os atravessei, eles não duraram, e isto será o mesmo".
Todos têm isto. Os problemas presentes, os problemas que estamos atravessando bem agora, são os maiores problemas, não são? E pensamos que estes serão nossos problemas definitivos e de mais longa duração, mas isso não é verdade. Os problemas que tivemos há cinco anos atrás não são nada se comparados aos que temos agora, e em cinco anos, os problemas de hoje serão insignificantes.
Penso que é bom apreciar a nossa existência. Enquanto estivermos assistindo o filme, enquanto estivermos passando pelas nossas vidas diárias neste mundo, é bom ter apreciação. Podemos desenvolver a apreciação de nos sentarmos bem aqui neste mesmo minuto.
Discutimos a visão, e agora, a meditação. Meditação é gom em tibetano. Realmente, significa acostumar-se com algo. Então, estamos sendo apresentados à visão e agora temos de nos acostumar com este conhecimento. Estou certo de que vocês ouviram isto muitas vezes. Se estivermos sendo apresentados a algo como o álcool, por exemplo, então a nossa meditação é visitar o bar muitas vezes, o quanto mais que pudermos. Em seguida, podemos querer tentar diferentes tipos de licor e tentar misturar certos coquetéis, o que quer que seja. E então, lentamente, lentamente, começamos a realmente gostar de álcool. Ninguém nasce como alcoólatra. Vocês têm de aprender isto, têm de meditar sobre isto. E então vocês se tornam inseparáveis do álcool. Isto é quase como a iluminação do álcool. Então, vocês não podem viver sem ele. Isto é o que temos de fazer.
A meditação é acostumar-se com algo. Agora, há a meditação shamatha que muitos, muitos mestres nos aconselharam a fazer. Concordo com isso porque o shamatha assenta a fundação. A meditação shamatha é simplesmente fazer nossa mente ser trabalhável, flexível. Bem agora, nossa mente é como um pedaço de madeira, rígido. O shamatha faz nossa mente ser flexível, de modo que possamos fazer o que quer que gostemos.
Bem agora, digamos que vocês estão raivosos. Agora, se eu pedisse que vocês, por favor, parassem de estar raivosos, vocês não podem. Ou, se eu pedisse que vocês ficassem com raiva bem agora, vocês também não podem. Por quê? Porque não temos controle nobre nossa mente. Algo tem de vir de uma cerca causa e condição têm de estar lá, e apenas então podemos mudar nossa raiva. Não temos controle sobre ela. O shamatha nos dá esse controle, essa flexibilidade.
O principal tópico que estávamos discutindo era o lojong e as oito armadilhas, os oito dharmas mundanos. Então, como meditamos sobre isso? Poderíamos chamar isto de "meditação na ação". Penso que isto é uma prática bem importante, mas às vezes também é bem difícil. Por quê? Novamente, o velho culpado, nossas expectativas. Se olharmos para elas, até mesmo o modo como andamos é baseado em expectativas. Temos um certo jeito de andar, de modo que sejamos louvados, de modo que não sejamos criticados, de modo que ganhemos algo, de modo que não percamos algo, de modo que consigamos atrações, de modo que não sejamos ignorados. Tudo, o modo como caminhamos, o penteado que temos, a camiseta que colocamos nesta manhã... Fazemos isto por causa da expectativa. Não há autenticidade. E quanto não há autenticidade, nos tornamos bem fracos de novo. Nos tornamos vítimas de nossas próprias expectativas e das dos outros.