28.1.17

Gilbert Simondon




 Intenção: tomada de consciência do sentido dos objetos técnicos. A cultura ignora uma realidade humana na realidade técnica, sendo que deve incorporar os seres técnicos sob a forma de conhecimento e sentido dos valores. Essa tomada de consciência deve ser efetuada pelo pensamento filosófico.
 

– A oposição entre cultura e técnica, homem e máquina, é falsa e sem fundamento. Trata-se de um humanismo sendo que o autor enxerga os objetos técnicos como mediadores entre a natureza e o homem.




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Por cima da comunidade social do trabalho e além da relação interindividual que não se suporta por uma atividade operativa, se institui um universo mental e prático da tecnicidade no qual os seres humanos comunicam através do que inventam à suporte e símbolo de relação transindividual.
– Para que um objeto técnico seja recebido assim e não só como útil, para que seja julgado como resultado de uma invenção, portador de informação, e não como utensílio, é preciso que o sujeito que o recebe possua formas técnicas à se cria uma relação inter-humana que é o modelo da transindividualidade, uma relação que põe os indivíduos em relação mediante essa carga de realidade pré-individual, que contém potenciais e virtualidades.

– Não diz que a alienação econômica não exista, mas Simondon defende uma generalização da alienação, sendo que a verdadeira via para reduzir a alienação não se situa no domínio do social (com a comunidade do trabalho ou da classe), nem no domínio das relações interindividuais que a psicologia social considera, mas no nível do coletivo transindividual.

– Os objetos técnicos que mais produzem alienação são aqueles que também estão destinados a usuários ignorantes à os objetos técnicos que não estão submetidos a este estatuto de separação entre a constituição e a utilização não se degradam com o tempo.

– A alienação que provém do corte artificial entre a construção e a utilização dos objetos técnicos não somente é sensível no homem que emprega a máquina, trabalha sobre ela e não pode impulsionar sua relação com ela além do trabalho; repercute também nas condições econômicas e culturais do emprego da máquina e do valor econômico da máquina, sob a forma de uma desvalorização do objeto técnico, tanto mais rápida quanto acentuada seja essa ruptura.
– A oposição entre a ação e a contemplação, entre o imóvel e o móvel, deve terminar frente a introdução da operação técnica no pensamento filosófico como terreno de reflexão e paradigma.


https://ciberculturauerj.wordpress.com/2016/11/15/o-modo-de-existencia-dos-objetos-tecnicos-gilbert-simondon/#more-129





Simondon foi um biofísico e filósofo contemporâneo (1924-1989), cuja obra mais discutida e trabalhada, por pensadores como Baudrillard, Deleuze e Latour, nasceu de sua tese do doutoramento: “L’ individu et as genèse psysico-biologique” , “L” individuation psychique et collective”(teses principais), “Du mode d’esxistence des objetes techniques”(tese secundária).
Ele se coloca na história filosófica como um teórico dos processos de individuação quer que se trate de cristolografia, de biologia ou de individuação psíquica, social ou técnica. Toma os operadores da Física quântica como base para desenhar uma outra ontologia. Ele mostra como ao longo da tradição da filosofia e das ciências ocidentais, jamais se pensou o processo de individuação- a história de como algo se torna algo- e sempre se tomou o indivíduo como já dado.

PROBLEMA DA INDIVIDUAÇÃO ( que não produz apenas o indivíduo)

Existem duas vias segundo as quais a realidade do ser, como indivíduo, pode ser abordada: via substancialista e a via hilemórfica. Na primeira encontramos o monismo, que nos diz que o ser surge de uma reunião de átomos, que se reúnem e se dispersam, mas constituídos por algo já pronto: átomos, os que não têm partes, como os indivíduos, os que não se dividem. Na segunda perspectiva encontramos a idéia de bipolaridade em que o indivíduo é engendrado pelo encontro de uma forma e de uma matéria.
Ambas teorias supõem que existe um princípio de individuação capaz de explica-la. Não coloca o indivíduo no sistema de realidade em que a individuação se produz. Na própria noção de princípio, há um certo caráter que prefigura a individualidade, é necessário supor a existência de um primeiro termo, o que explicará que o indivíduo seja indivíduo.
Assim, a pesquisa do princípio da individuação realiza-se antes ou depois  da individuação, conforme o modelo, seja ele tecnológico e vital (hilemórfico) ou físico (substancialista).
Mas em ambos os casos há uma zona obscura que é deixada de lado. É exatamente essa área que interessa Simondon: o Meio, o Processo.
Este interesse leva a uma reversão na investigação do princípio da individuação, já que o quê se torna primordial é a operação a partir da qual o sujeito vem a existir.
O que a individuação faz aparecer é não só o indivíduo, mas também o par indivíduo-meio. Dessa maneira, o indivíduo é relativo em 2 sentidos porque ele não é todo ser e porque resulta de um estado do ser em que ele não existia como indivíduo.
Simondon pesquisa detalhadamente a individuação dos cristais como modelo de estudo da gênese. Claro que no domínio físico é muito diferente do domínio do vivo. No mundo físico a mediação é brusca e definitiva (A Gênese do Indivíduo- Simondon- p.104) enquanto que no domínio do vivo a atividade é permanente, favorecendo um palco e teatro da individuação.
Mas, salientamos que o modelo da individuação não se encontra só no mundo físico e no vivo, ele também aparece no psiquismo e nos coletivos humanos- não há, por sinal, individuação psíquica que não seja imediatamente coletiva. Ele se encontra tanto no ser como no conhecer. Não há diferença entre os modos, os movimentos com que a Natureza se cria e os modos como os homens constroem seu conhecimento da Natureza, do Cosmos, ou de si mesmos. Simondon recupera um monismo ontológico como o de Espinosa.

Conceitos principais

Individuação
Entendida como uma resolução parcial e relativa. É a primeira fase do Ser. Apresenta a capacidade que o ser tem de defasar-se em relação a si mesmo, de resolver-se defasando-se, o que nos sinaliza a conservação do ser pelo devir.
Para pensar a individuação é necessário considerar o ser, não como substância, matéria ou forma, mas como sistema tenso, supersaturado. Tanto que neste entendimento, da tensão indivíduo-meio emerge o devir como resolução das tensões primeiras e uma das conservações dessas primeiras forças, sob estrutura, dá-se o indivíduo.

Equilíbrio instável ou metaestabilidade

Antes só se conhecia o equilíbrio estável e se pensava que o ser estava em estado de equilíbrio estável. Os antigos- gregos- só conheciam a instabilidade e a estabilidade, o movimento e o repouso. Para conhecer a metaestabilidade foi preciso a noção de energia potencial de um sistema, a idéia de ordem e a de aumento de entropia.
Esta mudança de paradigma nos interessa muito porque o equilíbrio estável exclui o devir, pois corresponde ao grau mais baixo de energia potencial, é o equilíbrio atingido quando todas as transformações possíveis foram realizadas e não existe mais força.  Já o instável, entendido aqui como plano das forças e puro movimento, não permite configurações duráveis num sistema.
O regime da metaestabilidade, fronteira entre o estável e o instável, não só é mantida pelo indivíduo como também carregada com ele, de maneira que o indivíduo constituído transporta consigo certa carga associada de realidade pré- individual (reservatório de possíveis). Essa natureza pré-individual, que permanece associada ao indivíduo, é uma fonte de estados metaestáveis futuros de onde poderão sair novas individuações.
Na realidade o indivíduo só pode ser contemporâneo de sua individuação, contemporâneo do princípio. O indivíduo não é somente resultado, mas meio de individuação.
METAESTÁVEL
PRÉINDIVIDUAL
TRANSCENDENTAL EM DELEUZE
MEIO PROVIDO DE SINGULARIDADES QUE CORRESPONDEM À EXISTÊNCIA E À REPARTIÇÃO DOS POTENCIAIS ENERGÉTICOS. ESPAÇO EM QUE SE PODE SER SINGULAR SEM SER INDIVIDUAL
Tudo muda com a dimensão quântica do pré-individual. O que se individua sai desse todo ou desse nada, conjunto de todos os potenciais, em transformação veloz e inidentificável, quando dois ou mais potenciais são, por acaso, içados fora do plano pré-individual, uma informação passa a circular de um a outro. Enquanto a informação se faz em sua repetição criadora, algo está se individuando. O que se individua nunca deixa de ser atravessado pelos fluxos potenciais de onde surgiu. A forma mais rica desses sistemas físicos é a vida: com suas estruturas continuamente abertas e se replicando.
Simondon escreve: “Poder-se-ia chamar natureza a esta realidade pré-individual que o indivíduo leva consigo, tratando de encontrar na palavra natureza o significado que lhe davam os filósofos pré-socráticos: a natureza é realidade do possível que, sob as espécies do apeíron (indeterminado), faz surgir toda forma individuada; a Natureza não é o contrário do homem, mas a primeira fase do ser”
O ser pré-individual é o ser sem fases, ao passo que o ser após a individuação é um ser fasado.

Problemático

Primeiro momento do ser pré-individual. A individuação é a organização de uma resolução para um sistema objetivamente problemático.

Adaptação

Na individuação do vivo há tb a individuação do meio na medida em que cada processo no vivo vai desdobrando, vai se inventando também um mundo ou um meio ambiente diante desse vivo, emergindo e tornando-se viável para esse vivo. Assim entre indivíduo e meio encontramos a imbricação ou seja uma relação de co-dependência.
Técnica
Para Heidgger a técnica servia em sua perspectiva instrumental, ou seja, estando a serviço do homem e do bem-estar social. Tal idéia está relacionada com o Humanismo e o discurso de progresso da modernidade. Simondon nos apresenta a perspectiva da imbricação, ou seja, a técnica é concebida como algo genuinamente humano. A mixagem homem-máquina é a integração da técnica à cultura enquanto o objeto técnico é mediador entre o gênero humano e o mundo.
“O ser vivo resolve problemas não apenas se adaptando, ou seja, modificando sua relação com o meio (como a máquina pode fazer), mas modificando-se ele mesmo. Inventando estruturas internas novas. “ Simondon
Simondon procurou pensar a individuação em seu aspecto mais amplo, tanto no físico quanto no biológico, no psíquico e no social. Focando a processualidade. Descarta a perspectiva de dar formar ou moldar e opta pela idéias de modulação. Neste caso, o indivíduo não recebe uma forma. Ele se auto-modula, e o que lhe permite esta auto-modulação é o seu regime de metaestabilidade.



 “Um filósofo inspirado na atualidade da ciência e, ao mesmo tempo, reencontra os grandes problemas clássicos, transformando-os, renovando-os. E o que Simondon elabora é toda uma ontologia segundo a qual o Ser nunca é Uno”   Gilles Deleuze


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