25.4.11

[ ] Budismo e Dharma



Muitos daqueles que se consideram praticantes do Budismo consideram que a prática Budista consiste apenas de meditação, perseguida em separado de um entendimento mais amplo do Dharma. Isto algumas vezes conduz a radicais novas interpretações dos ensinamentos, que transformam o Dharma em um antigo sistema de psicoterapia que transcende o indivíduo ou uma mera ‘arte de vida,’ uma maneira de viver feliz e em paz aqui e agora. Isto pode ser bom até onde possa levar, mas quem estiver em busca de algo mais sério em breve irá sentir uma deficiência de visão, uma falta de profundidade, ao comparar essa versão dos ensinamentos com a versão clássica.
Por outro lado, nas universidades seculares, os acadêmicos realizam estudos avançados dos textos, cultura e história Budista, tentando compreender o Budismo em termos puramente objetivos como um fenômeno cultural e histórico. Esta abordagem pode nos proporcionar um vasto volume de conhecimentos sobre o Budismo, mas isso não produz o genuíno insight em relação às verdades que o Buda estava tentando transmitir. O defeito nesta abordagem é que o estudo do Budismo é feito com total desconsideração da fé e prática Budista, que são os requisitos para o insight genuíno. Sem dúvida, sob o ponto de vista acadêmico é útil adquirir esse conhecimento, mas se esse conhecimento não tiver um impacto nas nossas vidas, este será estéril e improdutivo.
Portanto, aqui na América, o presente encantamento com o Budismo tende a se dividir em duas facções. De um lado, há praticantes que são sinceros no seu comprometimento com a prática Budista mas com freqüência carecem de uma clara compreensão dos princípios Budistas. Alguns até mesmo rejeitam o estudo do Dharma, chamando isso de emaranhado de conceitos e idéias. Do outro lado da divisão encontramos os acadêmicos eruditos que possuem amplo conhecimento factual sobre o Budismo mas que carecem de fé no Dharma e da experiência prática no caminho Budista. Em nenhum dos casos existe a preocupação de na verdade “aprender com o Buda.”
A União do Estudo e a Prática
Aqui no Bodhi Monastery (New Jersey, USA) enfatizamos a importância de juntar a fé, estudo e a prática num equilíbrio harmonioso. Embora este monastério exista faz apenas três anos, a nossa missão já está tomando uma forma e na medida em que os anos passam, esperamos que irá trazer frutos abundantes. A visão que guia este monastério provém do trabalho do Mestre Yin-shun, o mais destacado monge-erudito Chinês da era moderna, que ainda vive hoje em Taiwan com 97 anos de idade. O trabalho do Mestre Yin-shun é verdadeiramente impressionante e inspira respeito. Combina os métodos mais rigorosos de erudição histórica e literária com ousados insights acerca da doutrina e história Budista, suportado por um comprometimento firme e inabalável com o caminho espiritual Budista. Os seus muitos volumes de estudos eruditos abrangem toda a história do Budismo, desde as suas origens através da evolução na Índia e o subseqüente desenvolvimento na China. O fundador do Bodhi Monastery, Mestre Jen-chun, é o pupilo mais sênior vivo do Mestre Yin-shun e também uma pessoa extraordinária. Igual ao seu mestre, ele combina o conhecimento erudito do Budismo com um coração compassivo, profundos insights, e grandes votos de alguém que está bem avançado no caminho Budista.
Combinar o estudo e a prática como parte da estrutura da fé Budista é uma abordagem que ressoa a própria tradição Budista. Muitas formulações nos textos enfatizam a importância de combinar essas duas asas do caminho Budista num equilíbrio saudável. Uma, encontrada nos suttas, diz que quando uma pessoa adquire fé, ela deve se aproximar de um mestre para aprender a doutrina. Tendo ouvido a doutrina, ela a retém na mente; aí, ela deve dominá-la verbalmente para imprimi-la com firmeza na mente; em seguida, ela examina o significado para ver como os ensinamentos se relacionam com a própria experiência individual, como eles se aplicam à própria vida. Por fim, ela se esforça para concretizar os ensinamentos e quando a prática amadurecer, ela enxergará a verdade última por ela mesma.Outra, num esquema mais simples, encontrado nos comentários Budistas, fala das três principais pilastras no desenvolvimento do caminho: estudo, prática e realização. Primeiro a pessoa estuda a doutrina, depois a coloca em prática e por fim realiza a verdade.
Ambas as formulações sugerem que o estudo do Dharma é a base para a prática e a realização. Quanto de estudo é necessário irá variar de pessoa para pessoa e de uma tradição para outra. Não pode haver regras rígidas e imutáveis que se apliquem a todos. Sem dúvida, algumas pessoas podem praticar de modo eficaz e obter sucesso com o mínimo de conhecimento doutrinário. Outras precisam de mais conhecimento, enquanto que outras, ainda, terão a inclinação natural de estudar o Dharma de forma ampla e profunda. Isto poderá auxiliar na prática delas e torná-las mais eficientes no ensino do Dharma. Portanto, o conhecimento amplo do Dharma, quando apoiado pela fé e conectado com a prática, tem valor porque ele não só amplia a própria compreensão como acentua a eficácia como mestre. O estudo em si também pode se tornar um empreendimento inspirador e que enaltece, abrindo os próprios olhos para a vastidão e profundidade do domínio do Dharma.
Tendo Noção Clara do Objetivo
Embora aprendamos de muitos mestres e oradores, em ultima instância estamos aprendendo do próprio Buda – pois todos os ensinamentos que estudamos derivam do Buda diretamente ou através da contínua tradição Budista. Ao iniciarmos juntos o aprendizado dos ensinamentos do Buda, é bom ter em mente um dos ditos do mestre  Yin-shun: “Nosso objetivo ao aprender os ensinamentos do Buda hoje deve ter o mesmo propósito do Buda em disseminar os seus ensinamentos.” O Buda surgiu no mundo para conduzir as pessoas a dar um fim ao sofrimento e aflição mostrando-lhes o caminho para a felicidade e a paz supremas. Todas as pessoas possuem uma aversão natural ao sofrimento e aflição e desejam a felicidade e a paz.
Então porque não podemos obter isso por conta própria, seguindo as tendências das nossas próprias mentes? Porque temos que aprender isso do Buda? A razão é porque as nossas mentes estão obscurecidas pela ignorância e pelas contaminações: as nossas idéias estão “de pernas para o ar.”
Então, embora todos nós desejamos ter felicidade, com demasiada freqüência nos sentimos agitados e aflitos. Nós criamos muito sofrimento para nós mesmos, e nós causamos muito sofrimento para nós mesmos e para os outros. Através da sua perfeita sabedoria, o Buda compreendeu de modo preciso e a fundo, as causas e condições que conduzem ao sofrimento e à felicidade. Devido à sua imensa compaixão, durante quarenta e cinco anos ele ensinou essas causas e condições extensivamente para o mundo, de modo que as pessoas pudessem entender que  tipo de ações devem ser evitadas e que tipos de ações devem ser cultivadas. Portanto nosso objetivo último ao estudar os ensinamentos do Buda deve ser aprender como distinguir os modos que são prejudiciais e destrutivos dos modos que são úteis e benéficos; os caminhos que conduzem ao sofrimento e os caminhos que conduzem à felicidade e a paz.
Deveríamos fazer isso com um objetivo duplo: primeiro, progredir na direção da nossa própria libertação, e segundo permitir que contribuamos da forma mais eficaz para o bem estar dos outros. Isto satisfaz o que é chamado de “o bem duplo,” o bem estar próprio e dos demais.
Ao aprender os ensinamentos do Buda, temos que aprender como aplicá-los à nossa própria situação. Muitos dos ensinamentos que encontramos nos suttas mais antigos eram dirigidos aos monásticos, pessoas que haviam renunciado ao mundo dedicando-se tempo integral à prática do caminho. Eu penso que seria um erro as pessoas leigas descartarem esses ensinamentos como sendo irrelevantes nas suas vidas, pois esses ensinamentos apontam para o objetivo último que todos os discípulos do Buda deveriam buscar e a prática necessária para alcançar esse objetivo. Mas também seria um erro as pessoas leigas pensarem que elas apenas podem praticar o Dhamma de modo adequado imitando a prática de monges e monjas. Eu penso que durante as suas rondas de pregações o Buda deve haver dado muito mais ensinamentos para os seus discípulos leigos do que aquilo que está registrado nos textos. Embora estes possam ter sido perdidos, podemos extrair os princípios principais dos ensinamentos que foram preservados. Não é suficiente apenas repetir esses ensinamentos com as palavras usadas para registrá-los. Precisamos ver como praticá-los na atualidade, nas nossas próprias situações de vida. Ao fazer isso, precisamos traçar um rumo entre dois extremos: um é o conservadorismo rígido, que adere com rigor e de modo impensado às formulações antigas sem a preocupação de entender as suas razões subjacentes; o outro é o revisionismo excessivo, que torce os ensinamentos em demasia para adaptá-los às condições presentes. Uma abordagem saudável em relação ao Dharma reconheceria que a doutrina em si está sujeita às duas leis da impermanência e condicionalidade. As formulações têm que mudar com as inevitáveis mudanças no pensamento humano e nas condições sociais, no entanto elas têm que sempre permanecer fiéis aos princípios fundamentais do Dharma.
Dois Aspectos na Prática do Dharma
Aqui, quero sugerir que aprender com o Buda em um contexto prático, significa antes de mais nada aprender dois aspectos do Dharma que de modo ideal devem correr em paralelo. Eu irei chamá-los de autotransformação e auto-transcendência. O objetivo último dos ensinamentos, a iluminação ou libertação, é alcançada através de um ato de auto-transcendência, um ato através do qual ultrapassamos os limites e fronteiras da mente condicionada e penetramos na verdade incondicionada. Esse ato é exercido através da sabedoria. No entanto, a sabedoria libertadora pode surgir apenas numa mente que seja cultivada de forma apropriada, e o processo de cultivo da mente é a tarefa da autotransformação.
Autotransformação
A autotransformação significa o cultivo gradual de modo a progredir passo a passo na direção do despertar da verdadeira sabedoria. A autotransformação envolve dois processos: um é a eliminação; o outro é o desenvolvimento. Irei discutir ambos de forma breve.
“Eliminação” significa a remoção das qualidades prejudiciais nas nossas vidas. Significa evitar as ações prejudiciais com o corpo, linguagem e mente: o controle e submissão dos pensamentos prejudiciais; a rejeição das opiniões falsas e das idéias deludidas. Tal como um jardineiro que queira cultivar um belo jardim precisa primeiro eliminar as ervas daninhas e o entulho, assim também nós precisamos exterminar as ervas daninhas e o entulho das nossas mentes. Ao aprender com o Buda estamos tentando entender a nós mesmos, entender a nossa própria mente. O Buda nos mostra um espelho das nossas mentes e corações, mostrando os estados mentais poluídos que prejudicam a nós a aos outros. Portanto, ao estudar os ensinamentos do Buda, obtemos um melhor entendimento das nossas fraquezas, os defeitos que temos que nos esforçar para superar.
Nós também aprendemos os métodos para superá-los, pois esse é exatamente o poder do ensinamento Budista: nos proporciona, com uma precisão impressionante, os medicamentos para eliminar todas as enfermidades das nossas mentes. O que é tão surpreendente nos ensinamentos Budistas mais antigos é o insight incrivelmente detalhado da mente humana. Esses ensinamentos proporcionam um tipo distinto de análise psicológica do que aquilo que encontramos na psicologia ocidental. O objetivo aqui não é tanto recuperar pessoas perturbadas de modo patológico a um nível de saúde mental considerado como normal, mas de tratar as “pessoas normais” de modo que elas possam se elevar acima das limitações e grilhões da mente normal e concretizar o seu potencial oculto, a mente totalmente purificada e desperta. Isto requer uma abordagem completamente distinta, uma abordagem que é a excelente contribuição do Buda para o entendimento da natureza humana.
O Buda não somente nos oferece uma análise dos nossos defeitos, mas um catálogo das nossas forças em potencial. Ele também nos ensina os meios para fazer com que essas forças em potencial se tornem reais e efetivas. Ele nos proporciona um ensinamento extraordinariamente pragmático que podemos aplicar na nossa vida diária para passo a passo ascender na direção da realização última, o movimento nessa direção é o que significa desenvolvimento. “Desenvolvimento” significa o cultivo de qualidades benéficas, as qualidades que promovem a paz interior e a felicidade e que faz das nossas vidas canais efetivos para trazer a paz e felicidade para os outros. O Buda oferece um amplo espectro de práticas benéficas, desde as observâncias éticas básicas até práticas como as cinco faculdades espirituais, o Nobre Caminho Óctuplo e os seis ou dez paramis. Para aprender isso, devemos estudar o Dharma em extensão e profundidade. Depois devemos aprender como aplicá-lo nas nossas vidas do modo mais realista e benéfico.
Auto-transcendência
O segundo processo principal que aprendemos do Buda é a auto-transcendência. Embora o Buda fale em eliminar os estados prejudiciais e desenvolver os benéficos, o objetivo dele não é que apenas sejamos pessoas felizes e contentes dentro dos limites mundanos do mundo. Ele nos aponta para um objetivo transcendente: ele nos conduz para a realidade incondicionada, Nibbana, o estado calmo e quiescente que está além do nascimento, envelhecimento, sofrimento e morte. Esse objetivo apenas pode ser alcançado através de uma completa e clara compreensão da natureza última das coisas, o modo de existência final de todos os fenômenos. Enquanto que essa realidade tem que ser penetrada através da experiência direta, nós precisamos de instruções específicas para compreendê-la. O objetivo em si transcende conceitos e palavras, mas o Buda e os grandes mestres Budistas nos proporcionaram uma variedade de “fotografias” que nos oferecem um vislumbre da verdadeira natureza das coisas. Nenhuma dessas “fotos” pode capturá-la completamente, mas elas nos proporcionam uma idéia das coisas que deveríamos estar buscando, os princípios que precisamos entender e o objetivo ao qual deveríamos estar aspirando.
Dedicar-se ao estudo dos princípios relevantes à auto-transcendência é um empreendimento filosófico, mas essa não é uma filosofia como mera especulação ociosa. Para o Budismo, a filosofia é o esforço para sondar a verdadeira natureza das coisas, empregar conceitos e idéias para obter um vislumbre da verdade que nos liberta, uma verdade que transcende todos os conceitos e idéias.
A filosofia Budista é uma grande correnteza que flui do Buda, continuamente remodelada e ampliada para trazer à luz as diferentes facetas da realidade, para expor os diferentes aspectos de uma verdade que nunca pode ser capturada de forma adequada dentro de algum sistema. Quando estudamos a filosofia Budista, precisamos sempre lembrar que  essas investigações filosóficas não são realizadas com o mero intento de satisfazer a curiosidade intelectual mas para ajudar na tarefa de auto-transcendência. Elas fazem isso identificando com precisão a natureza da sabedoria que precisamos ter para obliterar a ignorância, a raiz principal de todo sofrimento e cativeiro.
Ser um Buda
Eu tenho falado em “aprender com o Buda” como se  isso sempre implique aprender os ensinamentos registrados de modo explícito nos textos. Mas isso é apenas parte do que “aprender com o Buda” envolve. Aprender com o Buda significa não somente estudar as palavras dele: também significa aprender da conduta dele e da mente dele. A tradição Budista nos proporciona muitos registros das ações do Buda ao longo da sua vida e nas vidas passadas, e isso forma uma parte significativa da herança Budista. A vida, conduta e a mente do Buda nos proporcionam um modelo a ser emulado, o padrão ideal que nós, como discípulos do Buda, deveríamos tentar incorporar nas nossas vidas.
 Aprendendo com o Buda
Por
Bhikkhu Bodhi

18.4.11

EP # 8 Dharmas

Os sutras sempre começam com Ananda dizendo, "Assim eu ouvi..." Isto é muito significativo, nos diz muito. Ananda, que se lembrava de todas as palavras do Buddha, não clamou que os ensinamentos viessem dele próprio. Ele disse claramente que está simplesmente repetindo as palavras que ouviu do Buddha Shakyamuni.


Hoje em dia, todos querem ser originais, especialmente os gurus. Li livros de gurus modernos que afirmam que seus ensinamentos são a sua própria descoberta. De alguma forma, as pessoas nesta sociedade moderna parecem ser atraídas para coisas novas e originais. Mas aqui, não estamos procurando as invenções de alguém, estamos olhando para o Dharma puro e autêntico, as palavras do Buddha.
Vivemos em um mundo onde somos atormentados pela constante insegurança. A espiritualidade tornou-se um negócio, então os professores espirituais como eu sempre sentem a necessidade de gerar mais negócios. Dada esta insegurança, sabendo do ponto fraco das pessoas, é bem fácil vender espiritualidade. Alguns de vocês podem ser homens ou mulheres de negócios. Então, estou certo de que vocês sabem o que nos leva a vender coisas. Primeiro, você diz às pessoas que há algo que elas devem ter, algo que elas não têm. Então, você lhes diz que o lugar para comprar é aqui, de mim. Eu tenho o que você precisa.
O Buddha disse:
Não confie na pessoa, mas confie nos ensinamentos.
Não confie nas palavras, mas confie no significado.
Este é um grande conselho. Quando entramos no caminho espiritual, é importante sermos muito cuidadosos.

Há duas abordagens básicas para o caminho espiritual. Idealmente, nossa intenção de praticar o caminho espiritual deve ser o atingimento da iluminação. É isso. Parada completa. Mas, por causa de nossos padrões habituais, há uma abordagem diferente, tanto no Oriente quanto no Ocidente.
No Oriente, o buddhismo tornou-se algo como uma religião. As pessoas praticam o buddhismo para obter vida longa, prosperidade, para melhorar seus negócios, por ganho pessoal, para dissipar certos espíritos e assim por diante. Então, as pessoas não têm a meta da iluminação. Eles têm a meta de decorar esta vida.
Não é melhor no Ocidente. No Ocidente, o Dharma também não é realmente dedicado à iluminação. Aqui, as pessoas praticam o Buddhadharma principalmente para se acalmarem, para se curarem, para relaxarem... para a assim chamada "automelhoria".

O Buddha não ensinou o Dharma para este tipo de ganhos mundanos. Talvez pensemos, já que somos pessoas espirituais, não estamos procurando por ganhos materiais. Mas ainda estamos procurando por algum tipo de ganho mental. Queremos ter uma vida feliz. Ambos são considerados ganhos mundanos. Se tivermos esse tipo de motivação, o buddhismo é um caminho que devemos evitar.

O caminho buddhista é basicamente uma má notícia do ponto de vista do ego. Quanto mais praticamos e estudamos o buddhismo, mais chocante ele se torna para o nosso ego, mais ele irá contra o nosso egoísmo. Então, devemos pensar muito cuidadosamente sobre o que é que nós queremos. Não é muito tarde, ainda podemos sair dele.

Vamos falar sobre estes ganhos mundanos — pessoalmente, tenho muito deste problema. Atisha Dipankara, um dos maiores eruditos buddhistas da Índia, tinha um modo maravilhoso de colocar isto. Ele disse: "Oito coisas fazem uma pessoa ficar fraca". Ele estava se referindo aos oito dharmas mundanos, ou oito armadilhas nas quais caímos:
[1] querer ser louvado;
[2] não querer ser criticado;

[3] querer ganhar;
[4] não querer perder;

[5] querer ser feliz;
[6] não quere ser infeliz;

[7] querer ser famoso;
[8] não querer ser infame ou ignorado.
Estes são muito importantes. Devemos memorizá-los, de modo que de tempos em tempos podemos verificar se estamos caindo em uma destas armadilhas, ou até mesmo em todas elas. Eu faço isso. Isso é o núcleo básico da minha prática, verificar se estou caindo em qualquer uma destas armadilhas. São fáceis de lembrar: louvor e crítica; ganho e perda; prazer e dor; fama e infâmia.
Então, devemos verificar se caímos em qualquer uma destas armadilhas. Eu caio em todas elas, especialmente na primeira, querer ser louvado. Sempre gosto de ser louvado, essa é a minha maior fraqueza. Estou certo de que isto acontece com muitos de nós; palavras pequenas, superficiais, inúteis e ridículas de louvor podem nos fazer realmente, realmente fracos. O mesmo acontece com a crítica; algumas palavras ridículas e insignificantes de crítica podem nos ferir para sempre.
Penso que todos vocês sabem do que estou falando: como gostamos de ganhar, como não gostamos de perder; o quanto amamos a atenção; o quanto não gostamos de ser ignorados... Todas estas são armadilhas. Se cairmos em uma destas armadilhas, nos tornaremos fracos.
Eu caio nestas oito armadilhas todo o tempo. Não quero perder amigos, quero ser louvado, não quero ser criticado, quero ganhar discípulos, quero ter atenção, não quero ser ignorado. Então, o que faço? A fim de obter o que quero e de evitar o que não quero, eu termino massageando o ego de outras pessoas.
Idealmente, se eu fosse um professor de verdade, eu deveria estar lhes dizendo o que vocês precisam ouvir, o que pode ser bem doloroso. Se eu realmente assumir seriamente o meu papel de amigo espiritual, isto irá ferir o seu ego. A linha de fundo é que o caminho espiritual é ir além do desejo do ego. Peço desculpas por dizer isto, mas este é o único caminho.
Então, se quisermos ser praticantes espirituais, se quisermos ser fortes, precisamos nos exercitar, por assim dizer. Atisha Dipankara nos dá um modo maravilhoso de treinar, chamado lojongLojong é uma palavra tibetana que significa "treinamento da mente". O treinamento é basicamente lembrar de nos perguntarmos em qual destas armadilhas estamos caindo.
Vamos retornar à questão anterior, de que tipo de motivação temos. Esse é a linha de fundo de tudo. Estamos sérios quanto a atingir a iluminação? Ou estamos fazendo tudo isto apenas por relaxamento ou cura? Ou talvez porque estamos tendo muitos problemas e obstáculos em nossa vida, e queremos apenas nos recuperar disso? Lembrem-se que isto pode realmente funcionar em certa medida. Se praticarmos o Dharma com este tipo de motivação, podemos realmente obter alguns benefícios mundanos, mas não estaríamos usando o potencial completo do Dharma. Por isso, não estaríamos praticando nem mesmo o Dharma real, mas sim algum Dharma de mentira, falsificado.
Então, nossa motivação é muito importante. Se tivermos este segundo tipo de motivação, a motivação de praticar o caminho espiritual a fim de atingir a onisciência ou iluminação, então temos de ter um caminho completo. Agora, o que faz um completo caminho? Um caminho completo tem de ter visão, meditação e ação. Por favor, tomem nota disto, isto é muito importante. Percebi que no Ocidente há muitos métodos sem qualquer visão. Parece ser toda uma pletora de métodos, várias meditações, música da Nova Era, re-nascimento, re-morte... Lembrem-se, estes são bons como métodos. Não estou criticando o método em si, mas vocês têm de ter uma visão. Se não tiverem uma visão, ele não os conduzirá a muitos lugares; pode curar alguns ferimentos ou temporariamente matar a dor com algum analgésico. A visão é muito importante. A visão determina a meditação e a ação.
Então, como obtemos esta visão? Através do estudo. E através da investigação daquilo que estudamos. Isto é algo realmente extraordinário sobre o caminho que o Buddha Shakyamuni ensinou. Ele nos deu a liberdade de questionar. Vocês podem perguntar questões, podem argumentar, podem analisar dentro de sua capacidade de lógica e de senso comum. Então, devem estudar e finalizar a visão, e baseados nisso, vocês obtêm confiança no caminho. Então, vocês escolhem muitos métodos.
Neste ponto, poderíamos dizer que a nossa visão é ter renúncia. O que queremos dizer com renúncia? Quando assistimos um filme, isso é uma renúncia genuína. Por quê? Porque conforme assistimos o filme, apesar de todos os tipos de coisas acontecerem na tela, sabemos que é apenas um filme, é tudo de mentira. Pode haver relacionamentos amorosos, ou suspense; podemos até mesmo ser levados às lágrimas, mas em algum lugar dentro de nossa mente, sabemos que isto é apenas um filme.
Quando sentimos vontade de ir ao toalete durante o filme, por exemplo, podemos ter a coragem de levar e ir. Não é uma grande coisa, não estamos realmente presos. É por isso que chamamos isto de renúncia — temos a visão correta quanto a isto. Já que sabemos do aspecto fútil da vida, há uma renúncia genuína. Por outro lado, neste grande filme que chamamos de nossas vidas, poucos de nós temos este tipo de coragem.
Claro que a renúncia não significa que, já que percebemos que isto é um filme, devemos sair do cinema e fazer um grande voto de nunca mais assistirmos um filme novamente. Simplesmente perceber que isto é um filme mudou toda a nossa atitude diante dele. Não temos de parar de assistir. Podemos ainda assistir, mas agora, por causa deste conhecimento, não nos prendemos; ele não se tornou uma grande coisa. Esse é um tipo de pequena iluminação.
Isto é o que precisamos, mas perceber que isto é um filme é bem difícil. Nós sempre ficamos paralisados. Sempre terminamos pensando que é real. E quando nos sentamos aqui, totalmente absortos no filme, rindo, chorando, completamente perdidos nele, de alguma forma, por causa de nosso bom karma, por causa de nosso mérito, a pessoa ao nosso lado nos dá um tapinha no ombro e diz, "Não se preocupe. É apenas um filme". Essa pessoa é o nosso professor.
Ter essa oportunidade de sentar próximo de alguém que realmente tem a sabedoria e a bondade de nos dizer isto — é muito difícil também. Precisamos ter muito mérito. Por exemplo, assim que esta pessoa nos diz que isto é apenas um filme, a pessoa atrás de nós poderia tossir, e então podemos perder a oportunidade de ouvir isto. Coisas assim acontecem todo o tempo. Isso é simplesmente falta de mérito.
Obtemos este mérito através da lembrança da visão, de novo e de novo; através de lembrança de verificar em quais destas oito armadilhas estamos caindo; através de todos os tipos de meditações diferentes.
Então, agora eu diria, entender o aspecto fútil de nossa vida é a visão. Ter esta visão não significa que temos de nos tornar monges e monjas, ou ir a Kathmandu e viver em uma caverna. Não, o conhecimento é mais importante. O conhecimento de que isto é fútil não significa que vocês devem se demitir do seu trabalho. Vocês ainda devem continuar com o seu trabalho. Se tiverem a oportunidade de se tornarem milionários, então por que não? Vocês devem apensar fazer isto — mas sempre conhecendo a identidade verdadeira, sempre lembrando da realidade da situação.
Então, torna-se realmente divertido. Assistir um filme, sabendo que é um filme, e ainda experienciando toda a emoção, é divertido. Porque temos controle. A qualquer hora que não tenhamos controle, a qualquer hora que algum outro tiver o controle, não é divertido. Nesta hora temos o controle. Sabemos que é de mentira.
Bem agora, em nossa vida diária, não temos controle, não temos divertimento. Pensamos que tudo o que está acontecendo também é verdade. Apenas pensem sobre os relacionamentos que estamos tendo. Ter um relacionamento é supostamente algo legal que acontece em nossa vida, mas é realmente legal? No momento em que o relacionamento começa, a insegurança começa, a expectativa começa, o medo começa. E nunca terminam, repetem-se todo o tempo: quantas vezes tivemos uma namorada, quantas vezes mudamos de namorados? Sempre parece ser a mesma coisa. Não há o Sr. Correto, a Sr.ª Correta, não há situação correta aqui. Por quê? O problema não é que as situações corretas não surjam. Não é realmente isso. Mas sempre temos uma expectativa, temos esperanças e medos. E esses nos levam a desapontamentos. E até mesmo se acontecer de conseguirmos o que esperamos, então a expectativa não pára. Ele se multiplica. Agora, as expectativas são reforçadas, obtivemos o que queríamos, então esperamos mais, temos até mais expectativas.
Então, o que podemos fazer é desenvolver expectativas sábias. Isto é parte do lojong, parte do treinamento da mente. Quando acordamos, por exemplo, verificamos: "Estamos em boa condição? Estamos felizes? Estamos bem?" Estamos bem, estamos felizes, estamos bem. Então, formamos uma expectativa sábia: "Isto não durará, isto nunca durou antes, isto mudará". E efetivamente a nossa felicidade durará mais por causa disso. E então, quando estivermos atravessando dificuldades, quando tivermos todos estes problemas, todas estas dores de cabeça, pensamos: "Isto não durará. Muitas vezes tive problemas no passado, mas eu os atravessei, eles não duraram, e isto será o mesmo".
Todos têm isto. Os problemas presentes, os problemas que estamos atravessando bem agora, são os maiores problemas, não são? E pensamos que estes serão nossos problemas definitivos e de mais longa duração, mas isso não é verdade. Os problemas que tivemos há cinco anos atrás não são nada se comparados aos que temos agora, e em cinco anos, os problemas de hoje serão insignificantes.
Penso que é bom apreciar a nossa existência. Enquanto estivermos assistindo o filme, enquanto estivermos passando pelas nossas vidas diárias neste mundo, é bom ter apreciação. Podemos desenvolver a apreciação de nos sentarmos bem aqui neste mesmo minuto.
Discutimos a visão, e agora, a meditação. Meditação é gom em tibetano. Realmente, significa acostumar-se com algo. Então, estamos sendo apresentados à visão e agora temos de nos acostumar com este conhecimento. Estou certo de que vocês ouviram isto muitas vezes. Se estivermos sendo apresentados a algo como o álcool, por exemplo, então a nossa meditação é visitar o bar muitas vezes, o quanto mais que pudermos. Em seguida, podemos querer tentar diferentes tipos de licor e tentar misturar certos coquetéis, o que quer que seja. E então, lentamente, lentamente, começamos a realmente gostar de álcool. Ninguém nasce como alcoólatra. Vocês têm de aprender isto, têm de meditar sobre isto. E então vocês se tornam inseparáveis do álcool. Isto é quase como a iluminação do álcool. Então, vocês não podem viver sem ele. Isto é o que temos de fazer.
A meditação é acostumar-se com algo. Agora, há a meditação shamatha que muitos, muitos mestres nos aconselharam a fazer. Concordo com isso porque o shamatha assenta a fundação. A meditação shamatha é simplesmente fazer nossa mente ser trabalhável, flexível. Bem agora, nossa mente é como um pedaço de madeira, rígido. O shamatha faz nossa mente ser flexível, de modo que possamos fazer o que quer que gostemos.
Bem agora, digamos que vocês estão raivosos. Agora, se eu pedisse que vocês, por favor, parassem de estar raivosos, vocês não podem. Ou, se eu pedisse que vocês ficassem com raiva bem agora, vocês também não podem. Por quê? Porque não temos controle nobre nossa mente. Algo tem de vir de uma cerca causa e condição têm de estar lá, e apenas então podemos mudar nossa raiva. Não temos controle sobre ela. O shamatha nos dá esse controle, essa flexibilidade.
O principal tópico que estávamos discutindo era o lojong e as oito armadilhas, os oito dharmas mundanos. Então, como meditamos sobre isso? Poderíamos chamar isto de "meditação na ação". Penso que isto é uma prática bem importante, mas às vezes também é bem difícil. Por quê? Novamente, o velho culpado, nossas expectativas. Se olharmos para elas, até mesmo o modo como andamos é baseado em expectativas. Temos um certo jeito de andar, de modo que sejamos louvados, de modo que não sejamos criticados, de modo que ganhemos algo, de modo que não percamos algo, de modo que consigamos atrações, de modo que não sejamos ignorados. Tudo, o modo como caminhamos, o penteado que temos, a camiseta que colocamos nesta manhã... Fazemos isto por causa da expectativa. Não há autenticidade. E quanto não há autenticidade, nos tornamos bem fracos de novo. Nos tornamos vítimas de nossas próprias expectativas e das dos outros.

17.4.11

EP # Estar Consciente

Rating:★★★★★
Category:Other

Quando estamos mais conscientes, podemos perceber melhor o que está à nossa volta, entender a situação, lembrar do que é importante para nós e visualizar um número maior de possibilidades (...). Estar consciente nos permite enfrentar as circunstâncias (...) de forma coerente com nossos valores. Quando não agimos conscientemente, somos arrastados por instintos e hábitos que nem sempre nos servirão. Perseguimos alguns objetivos que não nos levarão à felicidade e à boa saúde; tomamos iniciativas das quais, mais tarde, nos arrependeremos; e produzimos resultados que prejudicam a nós e a quem amamos.

- Fred Kofman

EP # Sangha

 

O que é uma Sangha?

 

Uma Sangha é uma comunidade de amigos praticando o Dharma juntos de forma a fazer acontecer e manter a consciência. A essência da Sangha é consciência, entendimento, aceitação, harmonia e amor. Quando você não vê isto em uma comunidade, não é uma verdadeira Sangha e você deveria ter a coragem de dizer. Mas quando você encontra esses elementos presentes em uma comunidade, sabe que tem a felicidade e a sorte de estar em uma Sangha real.

 

No evangelho de Mateus, achamos a seguinte frase: “Vocês são o sal da terra; mas se o sal se tornar insípido, com que se há de restaurar-lhe o sabor? Para nada mais presta, senão para ser lançado fora, e ser pisado pelos homens.” Nesta passagem Jesus descreve seus seguidores como sal. Comida precisa de sal de forma a ficar saborosa. Vida precisa de entendimento, compaixão e harmonia de forma a ser possível de ser vivida. Esta é a contribuição mais importante para a vida que os seguidores de Jesus podem trazer ao mundo. Significa que o Reino dos Céus tem que ser percebido aqui, não em nenhum outro lugar, e que os cristãos precisam praticar de forma que possam ser o sal da vida e uma verdadeira comunidade de cristãos.

 

Sal é também uma importante imagem no cânone budista e este ensinamento cristão é equivalente ao ensinamento do Buda sobre Sangha. O Buda disse que a água nos quatro oceanos tem um só sabor, o sabor do sal, assim como seus ensinamentos tem apenas um sabor, o sabor da liberação. Portanto os elementos da Sangha são o sabor da vida, o sabor da liberação e temos que praticar de forma a nos tornarmos sal. Quando dizemos, “Eu tomo refúgio na Sangha” não é uma declaração, é uma prática.

 

Nas escrituras budistas é dito que há quatro comunidades: monges, monjas, homens leigos e mulheres leigas. Mas eu também incluo elementos que não são humanos na Sangha. As árvores, água, ar, pássaros e assim por diante, podem todos ser membros da Sangha. Uma boa almofada também pode. Podemos transformar muitas coisas em elementos de apoio da Sangha. Esta idéia não é inteiramente nova, pode ser achada através dos sutras e no Abbidharma também. Uma pedrinha, uma folha e uma dália são mencionados no Sadharmapundarika Sutra. É dito no Sutra da Terra Pura que se você for plenamente consciente, então quando o vento ventar pelas árvores, você ouvirá os ensinamentos dos Quatro Estabelecimentos de Atenção Plena, o Nobre Caminho Óctuplo e assim por diante. O cosmos inteiro está rezando o Dharma do Buda e o praticando. Se você for atento, entrará em contato com esta Sangha.

 

Eu não acho que o Buda queria que abandonássemos nossa sociedade, nossa cultura ou nossas raízes de forma a praticar. A prática do budismo deveria ajudar as pessoas a voltar para suas famílias. Deveria ajudar as pessoas e se reintegrar na sociedade de forma a redescobrir e aceitar as boas coisas que existem na nossa cultura e para reconstruir aquelas que não estão.

 

Nossa sociedade moderna cria muitos jovens sem raízes. Eles estão desenraizados de suas famílias e da sua sociedade. Eles vagam, não completamente como seres humanos, porque não tem raízes. Um bom número deles vêm de famílias desestruturadas e se sentem rejeitados pela sociedade. Eles vivem à margem, procurando por um lar, por algo a que possam pertencer. Eles são como árvores sem raízes. Para essas pessoas é difícil praticar. Uma árvore sem raízes não pode absorver nada, não pode sobreviver. Mesmo se eles praticarem intensamente por dez anos, será difícil para eles serem transformado se permanecerem como uma ilha, se não puderem estabelecer uma ligação com outras pessoas.

 

Uma comunidade de prática, uma Sangha, pode proporcionar uma segunda chance para um jovem que vem de uma família desestruturada ou é alienado da sua sociedade. Se a comunidade de prática é organizada como uma família, com uma atmosfera amigável e morna, os jovens poderão ter sucesso na prática.

 

Sofrimento (dukka) é um dos maiores problemas do nosso tempo. Primeiramente temos que reconhecê-lo e notá-lo, Então precisamos olhar profundamente para a sua natureza de forma a encontrarmos uma saída. Se olharmos para a situação presente em nós mesmos e na nossa sociedade, poderemos ver muito sofrimento. Precisamos chamá-lo por seus verdadeiros nomes: solidão, sentimento de ser cortado, alienação, divisão, desintegração da família, desintegração da sociedade. Nossa civilização, nossa cultura foi caracterizada pelo individualismo. O indivíduo quer ser livre da sociedade, da família. O indivíduo não pensa que tem que tomar refúgio na família, na sociedade e pensa que pode ser feliz sem uma Sangha. É por isso que não temos solidez, não temos harmonia, não temos a comunicação que precisamos tanto.

 

A prática é, portanto, fazer crescer algumas raízes. A Sangha não é um lugar para se esconder de forma a se evitar responsabilidades. A Sangha é um lugar para praticar, para a transformação e a cura do ego e da sociedade. Quando você é forte, pode estar presente de forma a ajudar a sociedade. Se sua sociedade está em confusão, sua família está desestruturada, se sua igreja não é capaz de te prever vida espiritual, então você trabalha para tomar refúgio na Sangha de forma que possa restabelecer sua força, seu entendimento, sua compaixão, sua confiança. Então você poderá usar sua força, entendimento e compaixão de volta para reconstruir sua família e sociedade, para renovar sua igreja, para restabelecer comunicação e harmonia. Isto pode ser apenas feito como comunidade – não como indivíduos, mas como uma Sangha.

 

De forma a conseguirmos desenvolver algumas raízes, precisamos de um tipo de ambiente que nos ajude a nos tornar enraizados. Uma Sangha não é uma comunidade de prática onde cada pessoa é uma ilha, incapaz de comunicar com os outros. Isto não é uma Sangha verdadeira. Nenhuma cura ou transformação resultará de tal Sangha. Uma verdadeira Sangha deveria ser como uma família na qual há um espírito de irmandade.

 

Há muito sofrimento, sim, e temos que abraçar esse sofrimento. Mas para ficarmos fortes, também precisamos tocar os elementos positivos e quando formos fortes, poderemos abraçar o sofrimento em nós e ao nosso redor. Se virmos um grupo de pessoas vivendo em plena consciência, capazes de sorrir, de amar, ganhamos confiança no nosso futuro. Quando praticamos respiração consciente, sorrindo, descansando, andando ou trabalhando, nos tornamos um elemento positivo na sociedade e inspiraremos confiança em todos ao nosso redor. Este é o caminho para evitar deixar o desespero nos derrotar. É também o caminho para ajudar as gerações jovens de forma que eles não percam a esperança. É muito importante que vivamos nossa vida diária de tal modo que demonstremos que um futuro seja possível.

 

Na minha tradição aprendemos que indivíduos não podem fazer muito. É por isso que tomar refúgio na Sangha, tomar refúgio na comunidade é uma prática muito forte e importante. Quando eu digo: “Eu tomo refúgio na Sangha”, não significa que eu quero expressar minha devoção. Não. Não é uma questão de devoção, é uma questão de prática. Sem estar em uma Sangha, sem ser apoiado por um grupo de amigos que estão motivados pelo mesmo ideal e prática, não podemos ir longe.

 

Se não temos uma Sangha que nos dê suporte, podemos não estar obtendo o tipo de apoio que precisamos para nossa prática, que precisamos para nutrir nossa bodhicitta (o desejo forte de cultivar amor e entendimento em nós mesmos). Às vezes chamamos isso, “mente principiante”. A mente de um principiante é sempre muito bonita, muito forte. Em uma Sangha boa e saudável há encorajamento para a mente do principiante, para nossa bodhicitta. Portanto a Sangha é o solo e somos a semente. Não importa o quanto seja bonita e vigorosa nossa semente, se o solo não nos provê vitalidade, nossa semente morrerá.

 

Um dos irmãos de Plum Village, Irmão Phap Dung, foi ao Vietnã alguns anos atrás com alguns membros da Sangha. Foi uma experiência muito importante para ele. Ele está no Ocidente desde que era pequeno. Quando ele foi ao norte do Vietnã, pode entrar em contato com alguns dos elementos mais antigos da cultura vietnamita e com as montanhas e rios do norte do Vietnã. Ele me escreveu e disse: “Nossa terra do Vietnã é tão bonita, bonita como um sonho. Eu não ouso dar passos pesados nessa terra do Vietnã”. Ele quis dizer que tinha a atenção plena correta quando andou. Sua plena atenção correta foi devido à prática e ao apoio que ele teve na Sangha antes de ir ao Vietnã. Esta é a mente de principiante, a mente que você tem no início quando se compromete com a prática. É muito bonito e precioso, mas a mente principiante pode ser quebrada, destruída, perdida se não for nutrida ou apoiada por uma Sangha.

 

Embora ele tivesse sua pequena Sangha perto dele no Vietnã, o ambiente era de muita distração, e ele viu que se ficasse muito tempo longe de uma Sangha maior, ele seria levado pelo ambiente, pelo esquecimento – não apenas seu próprio esquecimento, mas o esquecimento de todos ao seu redor. Isto porque a atenção plena correta para alguém que apenas começou na prática é ainda fraca e o esquecimento das pessoas ao nosso redor é muito grande e capaz de nos arrastar na direção dos cinco desejos. Como a maioria das pessoas ao nosso redor é levada pelos cinco desejos, é este ambiente que nos arrasta e nos impede de praticar a atenção plena correta.

 

Para praticar a atenção plena correta precisamos de uma ambiente correto, e este é a nossa Sangha. Sem uma Sangha, somos fracos. Em uma sociedade onde todos estão correndo, todos estão sendo levados pelas suas energias de hábito, a prática é muito difícil. É por isso que a Sangha é a nossa salvação. Uma Sangha onde todos estão praticando a caminhada atenta, fala atenciosa, alimentação consciente parece ser a única chance para termos sucesso para terminar o círculo vicioso.

 

E o que é a Sangha? A Sangha é uma comunidade de pessoas que concordam que se não praticarmos a atenção plena correta, perderemos todas as coisas bonitas na nossa alma e ao nosso redor. As pessoas na Sangha perto de nós, praticam conosco, nos apoiando de forma que não sejamos puxados para fora do momento presente. Seja quando for que nos encontremos em uma situação difícil, dois ou três amigos na Sangha estão lá para nós, entendendo e nos ajudando e nos farão superar tudo. Mesmo na nossa prática silenciosa, ajudamos uns aos outros.

 

Na minha tradição dizemos que quando um tigre deixa a montanha e vai ao vale, será capturado por humanos e morto. Quando um praticante deixa sua Sangha, abandona sua prática depois de alguns meses. De forma a continuar nossa prática de transformação e cura, precisamos de uma Sangha. Com uma Sangha, é muito mais fácil praticar, e é por isso que eu sempre tomo refúgio na minha Sangha.

 

(Traduzido do livro “Friends on the path” – Thich Nhat Hanh)

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ouvir bem para melhor compreender olhar bem para amar melhor ( Thich Nhat Hanh)

EP # É isso...



É isso
, na caligrafia do Thây, talvez a minha preferida das que em Plum Village temos como sinos da plena consciência, emolduradas e espalhadas por todos os lugares, quartos, salas, corredores, escadas -- para lembrar-nos de vivermente, e retornarmos à nossa respiração. Foi a frase que escrevi num galho caído, e que eu mantinha à porta da minha tenda durante o Retiro de Verão. É a frase que tenho na floreira do meu quarto. É isso.







A bananeira, quando nova, tem somente duas folhas. Assim que a terceira folha aparece, as duas primeiras a alimentam. Estas respiraram o ar e absorveram os raios solares para que a terceira folha conseguisse abrir-se e crescer. Quando a quarta folha surge, a terceira já se juntou às duas primeiras para nutri-la. Esse processo continua até a bananeira se tornar adulta. Nesse momento, as primeiras folhas começam a murchar, mas a energia delas está acumulada em todas as folhas que cresceram depois. Se observarmos a fundo uma das folhas mais novas, veremos a presença das mais antigas e compreenderemos que estas últimas nunca desapareceram. Observando profundamente, veremos toda a energia dos nossos pais, avós e ancestrais. Se essa energia não estiver acumulada dentro de nós, para onde mais poderá ter ido?

[...] Temos que observar a fundo para ver os esforços das incontáveis gerações passadas. Nós estamos na Terra, respiramos, apreciamos árvores e flores. Ao fazermos isso, vemos também as gerações passadas. Não há como nos separar delas. Acreditarmos que estamos sós ou isolados é uma ilusão que causa muito sofrimento.

Se sofremos como a árvore de cujas raízes fomos cortados é porque perdemos o contato com nossa família e nossas correntes ancestrais. 
[...] Tudo de que precisamos para nos curar está dentro de nós. É ali que carregamos a vida, o sangue, a experiência, a sabedoria, a felicidade e a tristeza de todos os nossos antepassados. Desfrutamos da saúde e do vigor que eles tiveram. [...] Estabelecendo uma conexão com nossos ancestrais, liberamos grandes reservas de energia e somos capazes de ver seus sorrisos e estilos de vida simples e saudáveis. As qualidades deles também estão em nós, se soubermos como despertá-las.

Thich Nhat Hanh em Ensinamentos sobre o Amor





no encerramento do Retiro de Verão, as condições permitindo, após a última Palestra do Dharma o Thây nos conduz numa meditação caminhando até o pomar das ameixeiras do Lower Hamlet (na foto acima, e nas fotos seguintes, abaixo), onde cuidadosa e silenciosamente caminhamos entre as doadoras árvores, praticando a plena consciência...


uma parte da sangha talvez tenha podido realizar a impermanência acompanhando a manifestação das ameixeiras desde o seu não-começo sem-fim, quando depois do inverno brotam as primeiras pequenas folhas e inflorescências, que depois tornam-se os frutos que vamos colher com o Thây...


...quando com o Thây vamos cada qual colher o fruto da nossa prática, depois de termos praticado juntos durante todo o verão, cada qual contribuindo para o acontecimento do Retiro de Verão que reúne praticantes de mais de 50 países, como em 2009, cada qual contribuindo para o estabelecimento de uma sólida energia da plena consciência na sangha...


passeamos com o Thây por entre as árvores, e entre elas nos sentamos para meditar -- contemplando a impermanência e o não-objetivo, sobre o amor, sobre a gratidão, sobre a simplicidade, sobre a compaixão, na Natureza que é uma grande fonte de inspiração -- e então juntos colhemos e desfrutamos das ameixas, juntos colhemos e desfrutamos dos frutos da nossa prática


assim encerra-se mais um Retiro de Verão -- desarmam-se as tendas das pessoas que escolheram ficar acampadas e a multidão de praticantes volta a seus países e às suas casas, levando a prática aprendida e vivenciada...


os jardins esvaziam-se, e para a parte da Sangha que ficou para a "arrumação da casa", é tempo de desarmar as tendas montadas para acolher as dezenas de grupos de Compartilhar o Dharma...


os bosques -- como este no Lower Hamlet, a pagoda do sino entrevista ao fundo -- sem as tendas dos hóspedes de Verão, volta a ser refúgio de tranqüilidade para os pássaros e as caminhadas em silêncio e recolhimento...


mesmo os girassóis, cultivados nos campos ao redor de Plum Village, estão prontos para ser colhidos...



para quem ficou durante os lazy days, a colheita das ameixas tem uma segunda parte, do trabalho realmente, quando percorremos todo o pomar colhendo as frutas, que as Irmãs irão transformar nas deliciosas geléias orgânicas chamadas Plum Gems, que irão alegrar os nossos desjejuns ao longo do ano, e ficam à venda nas livrarias dos Hamlets de Plum Village






Quando transformamos nosso próprio sofrimento, quando realizamos nossos sonhos, acabamos com a dor e concretizamos os sonhos dos nossos ancestrais e descendentes. Nossa prática é realizada por todas as gerações passadas e futuras.

[...] Ao comermos uma deliciosa cenoura, temos que sentir que ela também é fruto do empenho de muitas gerações. Por trás de uma fatia de pão há uma história de milhares de anos. No Vietnã, quando comemos uma tigela de macarrão, temos consciência de que ela tem sua própria história. As mães não sabem automaticamente como temperar essa refeição. Esse conhecimento foi transmitido por muitas gerações. Todo bolo, todo prato possui sua própria história. A felicidade dos nossos ancestrais tornou-se nossa própria felicidade.

Durante a prática, vamos nos conectar a todos os nossos antepassados, bem como aos rios, montanhas, plantas e alimentos da nossa terra. O que somos senão a manifestação e continuação de todos esses elementos? [...] É claro que estamos prontos para abraçar o que é positivo, mas temos que aceitar também os aspectos negativos de nossa sociedade, como a violência, o ódio e o racismo, a fim de transformá-los. Devemos viver no sentido de contribuir para a mudança desses elementos.

Thich Nhat Hanh em Ensinamentos sobre o Amor


(%) SOMAI  2 (16042011) 




na bela caligrafia do mestre Thich Nhat Hanh,
Aquiete-se
e saiba


Quando toco minha cabeça com minha mão esquerda, minha mãe está tocando-me ao mesmo tempo, meu pai está tocando-me também. E todos os meus ancestrais estão tocando a minha cabeça, nesse gesto. Esse insight é um milagre, e torna-se possível com a prática. Esse é o insight sobre o interser, sobre o qual vocês já ouviram tanto, tantas vezes. Você inter-é com seu pai, sua mãe, seus filhos, seus ancestrais. Você inter-é com o Buda, com o seu mestre. Você inter-é com Jesus Cristo, com os seus ancestrais espirituais. Eles estão em você, mesmo que você esteja brigado com eles – eles continuam no seu sangue, nas suas células.


Então você olha para a sua mão, e consegue ver que o Buda está nela, porque recebeu os Cinco Treinamentos da Plena Consciência – e eles são o Buda. Os Cinco Treinamentos da Plena Consciência são o insight e a prática a respeito do amor: você está determinado a não matar, a proteger a vida, você está determinado a ofertar amor e proteção. No momento em que você se ajoelha e recebe os Cinco Treinamentos da Plena Consciência, você está recebendo o Buda em você, de maneira concreta. E a partir de então, sua mão torna-se a mão do Buda. Pois você não mata mais, a sua mão não mata mais. Você não faz mais os outros sofrerem; a sua mão não rouba mais. O Buda está na sua mão. A sua mão é a mão de Buda. Então quando você traz sua mão à sua cabeça, o Buda está tocando você – isso é muito bom...

(para ler mais desta Palestra do Dharma dada por Thich Nhat Hanh, por favor acesse aqui)  
Palestras do Dharma dadas por Thich Nhat Hanh (em Inglês) durante o retiro Eye of the Buddha, em Junho de 2009, que estão sendo disponibilizadas semanalmente no site oficial de Plum Village -- por favor acesse-as aqui



(%) SOMAI  2( 8164)