26.5.11

EP # As Forças Naturais na Alquimia

Nosso assunto é Alquimia e forças naturais. É claro que quando nós falamos de alquimia, nós temos um estereótipo de alquimia, de alquimista – ou é o sujeito transformando chumbo em ouro, ou é o indivíduo paramentado, com aquele chapéu de bruxo ou de mago fazendo suas operações num laboratório misterioso, com fórmulas estranhas.

Vamos falar de Alquimia de uma outra forma. Vamos falar de alquimia pelos princípios próprios da alquimia, que são os princípios de manipulação das forças naturais para a obtenção de determinados resultados ou efeitos que estarão sempre manifestos, como é de se esperar, no mundo material.

Está certo que muita gente fala da alquimia simbólica, da alquimia filosófica. Mas o alquimista sempre deixou muito claro que, ainda que os mecanismos de seus procedimentos pudessem ser entendidos de um ponto de vista simbólico, metafísico, filosófico, nada estaria resultando correto se não houvesse transformações de fato na esfera dos fenômenos materiais. Porque a matéria é, por assim dizer, o papel no qual as forças naturais escrevem os resultados das ações que elas executam.

Então, se estamos mobilizando forças naturais com finalidades diferentes daquelas usuais, é claro que essas forças vão desenhar um resultado diferente no universo material.

Nós não vamos passar para vocês a fórmula para transformar chumbo em ouro, pois não é esse o nosso objetivo. Então quem estiver com esse objetivo pode "tirar seu cavalinho da chuva".

É evidente que nós temos que passar por algumas etapas no entendimento desta questão das forças naturais. Primeiro, a eterna pergunta, já que estamos falando de forças: "O que são forças?". Há um conceito científico de forças que de baseia no conceito anterior de energia. Se temos uma força, ela é a manifestação prática de uma energia que está realizando um trabalho, que evidentemente aparece na matéria. Energia e matéria são os dois extremos de uma visão moderna da Ciência sobre a substância que forma o Universo. Num extremo a matéria formal, tal como nós a conhecemos, e no outro extremo a energia pura, na sua forma latente ou potencial.

Quando a matéria manifesta a energia, percebemos essa energia na forma de movimento. Esse movimento representa a presença das forças na matéria. Vejam que nós temos dois elementos relativamente estáticos – energia, num extremo, que é um conceito abstrato, uma potencialidade, uma capacidade de um determinado objeto produzir um determinado trabalho; e num outro extremo, o segundo componente, que é o objeto em si, e que também é estático porque é uma massa passiva, é a matéria geometrizada, espacializada, eventualmente temporalizada, mas que é passiva. Ela está inerte. A matéria está aguardando a ação que a energia tem a latência de produzir.

Mas nós temos os movimentos neste terceiro elemento, que é a força. Isso nos traz à memória a tradicional trilogia Espírito, Vida e Matéria. A gente pode fazer esta aproximação e entender que o espírito estaria associado à idéia da energia, a matéria seria justamente o objeto materializado, e a vida seria a manifestação das forças modificando essa matéria, ou seja, consumindo ou transformando energia em movimento ou alterações na estruturas dos objetos aqui em baixo.

Nós estamos achatando todo um universo ao qual costumeiramente damos uma profundidade espiritual, reduzindo-o à esfera apenas dos fenômenos materiais. Essa energia é material, esse objeto é material e essa força é manifestada na matéria. Falamos, por exemplo de uma porta que se move. Ela tem uma energia, há forças que estão movendo ela, ele tem posições que estão sendo alteradas, etc. Tudo isso é, evidentemente, um fenômeno material.

Falamos de fenômenos materiais mas que, por aproximação nos revelam uma semelhança com a estrutura espiritual que nós imaginamos para o universo. Objeto, força, como representação da vida, e energia como representação da presença espiritual.

Quando imaginamos que as forças atuam sobre os objetos, que elas tiram alguma coisa da energia e jogam sobre o objeto, e eventualmente tiram alguma coisa da estrutura do objeto e transformam em energia, nós estamos imaginando um movimento. A maior parte dos estudantes imaginam esse movimento como sendo meio aleatório, casual, abstrato, do ponto de vista da ordem. Ele é um pouco caótico. Como essa força aparece? De repente a energia virou força... De repente o objeto está se movimentando. Eu largo um torrão de açúcar dentro da água e ele começa a se desmanchar.

Eu estou esquecendo que por trás de cada força existe alguma ordem. É claro que a Ciência, quando estudou essas forças, mesmo do ponto de vista exclusivamente material, percebeu que existe uma ordem e estabeleceu que as forças obedeciam a determinadas leis. A lei é um conceito abstrato que representa essa tendência dos movimentos seguirem uma determinada ordem. Nós observamos o funcionamento da matéria, e vemos, por exemplo, que toda água escorre para baixo. Procuramos identificar aí uma lei, que, por assim dizer, condiciona o movimento da água sempre para baixo. E vamos descobrir uma hora ou outra uma lei que chamamos de lei da gravidade, que puxa sempre os objetos em direção ao centro da Terra.

Nós fazemos um trabalho inverso no caso dos relacionamentos sociais da Humanidade. Nós não observamos o comportamento das pessoas e daí tiramos as leis. Nós criamos leis para orientar o comportamento das pessoas. Qual é a diferença? A diferença é que aqui nós não sabemos como comandar o comportamento da matéria. Então nós procuramos entender as leis que já existem e que comandam a matéria. No caso dos seres humanos nós temos a capacidade de comandar, e então nós criamos leis que comandam os seres humanos.

Qual é a diferença entre as forças sociais e as forças materiais que estão movendo o nosso mundo? Para nós a diferença parece clara. As forças sociais são controláveis e as forças materiais não são. As forças materiais têm uma natureza própria e independente da nossa vontade. Mas as forças sociais podem ser alteradas pela nossa vontade. Essa é a nossa concepção. Uma concepção ocidental, moderna, científica. Quando falamos em fazer política, estamos falando em interferir nas forças sociais. O político pode ser mentiroso, mas faz um discurso bonito e muda as forças sociais, de uma forma construtiva ou destrutiva. Mas e o físico? O Fernando chega em seu laboratório e faz um discurso bonito e a matéria se transforma? O ferro se transforma em ouro, seria ótimo, não? No entanto o discurso do Fernando jamais vai convencer os átomos de ferro a se converter em ouro. Nós temos motivos para entender que essas forças são diferentes. Mas essa é a nossa visão, a visão ocidental.

Se nós queremos estudar Alquimia, vamos ter de mudar essa nossa visão. Vamos ter de entender que a força, qualquer que seja ela, é sempre o resultado da ação de uma vontade. Essa vontade estabelece, de fato, uma ordem. Ela estabelece leis, as leis naturais. A matéria é totalmente obediente às leis naturais. No entanto essas leis naturais não brotam espontaneamente da matéria, pois são produzidas por uma vontade superior, espiritual, que cria as forças.

O alquimista acredita que essa vontade espiritual pode ser alcançada por um ser humano, que dessa maneira poderia interferir nesse procedimento de criação e ordenação das forças materiais. Em razão dessa sua crença foram ridicularizados. Eles foram excluídos da aceitação do mundo, tanto do religioso quanto do científico. Eles ficaram na mesma situação dos primeiros teosofistas que eram execrados tanto pelos cientistas quanto pelos religiosos. Os alquimistas propunham idéias que não eram bem aceitas.

Como lidar com forças naturais, provocar alterações no mundo natural, pode ser uma coisa muito perigosa, ... se nós imaginarmos uma pessoa que em lugar de estar mobilizada por uma vontade espiritual, está mobilizada por uma vontade muito mesquinha, e que decide, pela sua vontade, mudar algumas leis, mudar o funcionamento de certas forças, e, consequentemente prejudicar outras pessoas, nós estamos pensando numa catástrofe social.

Os alquimistas que realmente alcançavam produzir esse fenômeno, essa interferência sobre as forças naturais, ocultavam esse conhecimento – dificultavam o acesso a esse conhecimento criptografando as suas escrituras ou grafando simbolicamente os conceitos de uma forma que tornasse eles inofensivos nas mãos de um não-iniciado. Se nós acreditamos que eles realmente acharam uma chave, um caminho para lidar com essas forças e produzir efeitos sobre os objetos do mundo material (mobilizando energia do mundo para transformar os objetos de acordo com sua vontade) é evidente que tudo que nos chega do trabalho desses alquimistas está tão intrincadamente representado na forma de símbolos ininteligíveis e complicados que nós acreditamos que se eles realmente fizeram isso, fizeram e esconderam muito bem. Aprenderam, ousaram e calaram, definitivamente.

Mas, para acreditar nisso, precisamos aceitar que é possível essa interferência sobre a matéria. Embora a nossa ciência, a ciência dos físicos, dos químicos, não aceite essa possibilidade apresentada pelos alquimistas, outros tipos de ciências, também modernas começaram a perceber que a coisa não é bem assim. Há de fato uma relação plausível entre fenômenos conhecidos, cientificamente estudados, e o simbolismo dos alquimistas. A primeira ciência que começou a perceber isso foi a psicologia. Um dos pais da psicanálise, Carl Gustav Jung, que era discípulo de Freud e se tornou dissidente, desenvolveu uma maneira própria de pensar, e que estudava muito as culturas do oriente, mergulhou no estudo da alquimia e descobriu que a alquimia, através de suas representações simbólicas, demonstrava muito bem o funcionamento do psiquismo humano. Todos os processos mentais que os psicólogos estudam são perfeitamente delineados nessa obra do alquimista. Estão aí representados com muita precisão.

Com isso se criou um novo tipo de estudos desses procedimentos enunciados pelos alquimistas, onde não interessava o que acontecia entre os átomos, o que acontecia na matéria, mas sim no que poderia ser aprendido, a partir desses símbolos, sobre as leis que regem o funcionamento da mente humana. Estamos já falando de outras forças, que não são as forças sociais, nem as forças materiais, mas sim as forças individuais da mente do homem.

Fernando Gramaccini – Eu queria fazer um parêntese bastante rápido da física, para mostrar algumas incoerências que existem. Você vai entrar num outro assunto, e eu acho bastante interessante fazer uma colocação antes.

Quando perguntaram para Isaac Newton da natureza da força, por que os planetas giravam ao redor do Sol, etc. ele falou de uma forma muito folclórica que existiam anjos que regiam as forças da natureza. E ele entrou para o folclore da física, apesar de ele ter feito fórmulas, como por exemplo aquela famosa "Força = massa x aceleração ao quadrado", etc., fórmulas que são vistas e medidas, razão pela qual ele é muito respeitado. Só que eu queria mostrar alguns fatos, rapidamente.

Se você pegar um átomo de hidrogênio, você tem um núcleo positivo com um elétron negativo rodando ao redor do núcleo. A proporção dos tamanhos seria a mesma coisa que, no Maracanã, se você tivesse no centro do estádio de futebol uma bola de futebol, e na parte mais extensa do estádio, aquela parede que separa o Maracanã da rua, você teria uma bolinha de gude. Quer dizer que o átomo é completamente vazio. Se a gente pegar todos os átomos presentes no edifício Empire State Building e retirar os espaços entre a matéria ele se reduz a uma cabeça de alfinete. A matéria é vazia, e o que mantém essa solidez é a energia que interage entre as partículas.

Isso é o hidrogênio. Só que quando eu vou para o Urânio, eu tenho, no mesmo núcleo, 93 prótons juntos e aí o que mostra a própria ciência é que cargas iguais de mesmo sinal se repelem. Se eu puser um próton aqui e um outro próximo a ele, eles não ficam juntos. Um vai para cá e o outro vai para lá. Como se explica, então, 93 prótons juntos dentro de um átomo de Urânio? Então o que se fala é que na hora que eles são formados no interior da estrela, na hora em que as estrelas estão explodindo nas supernovas, a matéria está tão condensada que ela libera a energia, a própria matéria, e uma força, chamada nuclear, mantém os 93 prótons juntos, mais 93 nêutrons, de carga nula. Aí entra a física nuclear ao interferir nesses átomos aqui, dissociando essas matérias que têm a mesma carga, e ao dissociar elas liberam uma energia que as manteve juntas, como uma mola que eu fico segurando. Quando eu faço uma reação de fissão nuclear, eu libero essa mola.

O que acontecia com os alquimistas – foi por isso que eu quis fazer esse parêntese agora – quando eles usavam a vontade, ... (na realidade essas explicações são colocadas como se fossem dogmas. A física não explica muita coisa. Ela é uma ciência de efeitos, e não de causas. Você vai entrar na causa, a física não explica muita coisa.) ... então quando eles usavam a vontade para interferir na transformação da matéria, eles estavam, por processos completamente desconhecidos, liberando essas forças da natureza. Eles poderiam liberar essas forças da natureza, transmutar para si mesmo, amplificar seu poder do pensamento, conseguir forças fantásticas. Se, e somente se fossem pessoas de uma ética incomum.

Eu só queria mostrar isso. Você já está entrando numa parte da psicologia, que é muito interessante, mas a física não explica muita coisa não. Ela dá explicações plausíveis, possíveis e aceitáveis, mas são explicações que estão aí por falta de outra melhor. Esse é o problema. Quando a gente entra nesse campo é diferente. Mexer com a natureza da matéria é libertar energias monstruosas. Basta ver uma bomba de hidrogênio. Esse é um problema do qual o pessoal da física e da química fala muito, mas não prova nada. Fica como postulado.

Carlos Eduardo – O Fernando falou sobre Isaac Newton explicando que os anjos estão por trás dos movimentos da matéria. E ele não estava sozinho. Outros pesquisadores seguiam por essa mesma linha.

Um dos pontos essenciais da ciência da alquimia era justamente a crença que o alquimista tinha, sua firme convicção de que por trás de cada fenômeno material existia um tipo de inteligência que nós vamos chamar aqui de "inteligência material" que estava regendo esses fenômenos.

Esse princípio da inteligência material foi estudado, no século passado, pelo presidente da Seção Química da Real Academia de Ciências de Londres, Sir William Crookes. Crookes estudou as reações químicas e o comportamento dos átomos em várias situações, e chegou a uma conclusão. Os átomos se comportavam diferente em situações diferentes. E se eles eram todos iguais, eles deveriam ter um comportamento igual em todas as situações. Mas eles tinham comportamentos diferenciados sob certas circunstâncias, como se, em uma reação química em que um dos reagentes estivesse em excesso em relação ao outro (ou seja alguns átomos vão reagir e outros não vão), parecia como se alguém estivesse escolhendo qual vai e qual fica. Haveria um tempo maior de reação porque alguém, ou alguma inteligência – essa foi a conclusão dele – estava selecionando qual quais os átomos que iriam e quais os que não iriam participar da reação. Se houvesse um processo de seleção isso implicava em haver diferenças entre os átomos de um mesmo tipo, o que era impensável para a ciência da época. Mas por trás dessa questão, existia um outro conceito mais importante, que era o que interessava a William Crookes, que era o conceito da inteligência material.

Ele avançou nesse conceito quando foi estudar, por exemplo, as materializações espíritas. Ele achava que era uma manifestação da inteligência material que produzia aquilo. Mesmo se eu não acredito no espírito, eu posso acreditar que a matéria pode ter um comportamento curioso, imitando o comportamento humano, mas sem ser propriamente um ser humano. Ele foi a fundo nessa pesquisa, o que acabou resultando na sua expulsão da Academia e do meio científico. Ele se tornou um maldito.

Vários desses malditos constituem a história da pesquisa da ciência. Até hoje alguns malditos são expulsos, vez por outra, das academias, mas isso não impede que a inquietação provocada por esses questionamentos persista entre as pessoas.

Se estamos falando de inteligência material, nós estamos falando de uma espécie de alma, no conceito antigo, que está por trás da matéria. Os antigos falavam em "alma do mundo" (anima mundi), um conceito que Pierre Teillard de Chardin, tentando adaptar à filosofia cristã, chama de "meio divino" – o corpo do Cristo, a biosfera, envolvendo conceitos da ecologia.

Atendo-nos apenas à idéia de que existe inteligência por trás dos movimentos da matéria, ou seja, das forças materiais, precisamos tentar entender o mecanismo dessa inteligência. A força material é representada pelos alquimistas por uma figura simbólica chamada mercúrio.

Vou apresentar algumas figuras para ilustrar o assunto. São ilustrações de um período que vai do século XVI ao século XVIII, encontradas em textos de alquimistas.

 

Isto aqui é a fonte mercurial. Uma espécie de fonte em que está jorrando o mercúrio filosófico do alquimista. O mercúrio representava justamente as forças materiais. Era a representação da vida na matéria. Tanto que alguns até hoje chamam o metal mercúrio de "prata viva", porque ele é líquido à temperatura ambiente e tem um comportamento curioso. O mercúrio está associado à idéia de líquido. [e à palavra e à sabedoria, fluindo como um rio] e as representações do mercúrio sempre traziam duas figurinhas que o estavam sempre acompanhando. Vocês vêm aqui o Sol e a Lua, a consciência e a inconsciência, do ponto de vista da psicanálise. O Sol e a Lua, representando o ouro e a prata, e as naturezas opostas do dois equilibradas pela figura do mercúrio filosófico.

O Sol e a Lua estão representando, na verdade duas fontes de inteligência (nós estamos chamando de inteligência a origem das forças) que estão associadas a uma série de fenômenos naturais claramente identificáveis.

A Lua está associada a forças ligadas à noite, pois é o astro que brilha à noite, enquanto o Sol é o astro que está associado à luz do dia. A Lua também normalmente se associa a forças destrutivas, enquanto que o Sol está associado ao surgimento da vida, à construção da vida, logo às forças construtivas. A Lua está associada aos fenômenos líquidos, às águas. A maré é um exemplo claro disso, pois sobe buscando a Lua. Já o Sol está associado aos fenômenos ligados ao fogo celeste, o brilho, o calor. Quando a Lua não se associa à água, ela acaba sendo relacionada à terra. A terra mãe, terra nutriz, a terra como origem da vida material. Enquanto que o Sol, além do fogo, é normalmente associado ao ar.

Nós fomos utilizar os quatro elementos básicos que eram elencados no passado associados às atividades dos alquimistas. Então percebemos que eles têm, por assim dizer, dois domínios diferentes bem marcados. Podemos elencar uma série de outros elementos simbólicos relacionados a um ou ao outro. Mas são elementos que indicam forças que se alternam na natureza para produzir o fenômeno da vida que é representado por mercúrio.

A figura do mercúrio é uma figura híbrida.

Ela sempre tem, associadas a ela, duas forças opostas. O mercúrio às vezes é mostrado como um indivíduo hermafrodita, ou às vezes como um indivíduo que é metade preto e metade branco, ou então como uma figura com duas cabeças. Em outros momentos – nesta figura, por exemplo – ele segura dois caduceus e de cada lado ele tem um indivíduo segurando um bastão (símbolo de força) e em cada bastão desses há um animal: neste indivíduo é a cobra – que é o Sol, aqui junto dele; e no caso deste outro indivíduo é o pássaro – que é a Lua, também junto dele. Essa figura do mercúrio mostra para nós que ele tem uma natureza dual. É diferente do Sol e da Lua, que são claramente diferenciados.

O mercúrio representa, através desse símbolo, a integração do Sol e da Lua. A integração dessas duas naturezas ou fontes de forças naturais de uma forma equilibrada, que se traduz em vida.

Essas duas forças, sem a presença equilibradora do mercúrio, se manifestam sempre de uma forma excludente. Existe uma figura aqui, chamada de "O Lobo e o Rei" .

É uma figura separada em duas partes. Na parte de baixo, o lobo matou o rei e está devorando seu corpo. Na parte de cima, o rei matou o lobo e está queimando ele numa fogueira. O lobo está associado à Lua, ele uiva para a Lua, ele é a natureza lunar. O rei é o Sol, o astro soberano, que está associado ao fogo, à morte pelo fogo. Enquanto que o lobo se relaciona ao sangue, à morte molhada, ensangüentada, do corpo que ele está devorando. Quando os dois estão isolados, são excludentes. Para um estar vivo, o outro precisa estar morto. Para um estar presente, o outro tem de estar ausente.

O mercúrio também se associa a uma figura bem conhecida dos teosofistas, o "ouroboros".

Ele é o ciclo ou a figura circular, geralmente uma serpente ou dragão mordendo a própria cauda. Vocês vêm que aqui nós apresentamos duas figuras alternativas. A de baixo mostra dois dragões, um mordendo a cauda do outro, formando esse círculo. É igual o que os coreanos usam muito, aquela figura do Tao, da filosofia chinesa, em que duas forças opostas, Yin e Yang, são representadas na forma de forças circulares. Esta aqui nós conhecemos bem porque está no símbolo da Sociedade Teosófica, aquela serpente que morde a própria cauda. Isto é um símbolo da atividade do mercúrio. É a integração das forças formando um círculo da eternidade, o ciclo da vida, da criação, da produção. É a destruição de um lado e a criação do outro; a morte de um e o alimento para o outro. E mostra que isso tudo é um fenômeno que atinge uma única e mesma natureza integrada, global e genérica.

Essa integração provocada pelo mercúrio os indianos representavam na forma das figuras geométricas centradas em um ponto. Os Yantras ou os mandalas, que eram várias alternativas que existiam para isso.

Este aqui é o Yantra de Shri, uma deusa mãe. Essas figuras representavam de uma forma menos ilustrativa, e mais geométrica, esse princípio do centro, do equilíbrio, de forças ou figuras opostas. No caso ali são triângulos opostos, um para cima e outro para baixo, mas integrados de tal maneira que se perde a noção clara de qual está para cima e qual está para baixo, porque se entremesclam de tal maneira que fica difícil saber para que lado eles estão apontando.

A integração que se mostra nessas figuras é tipicamente mercurial, do ponto de vista filosófico.

Isso tudo para nós pode parecer uma bobagem simbólica. Pode parecer que é pura teoria, mas a nossa vida esta toda baseada nesses princípios que estamos elencando aqui. Nós vamos falar, por causa do limite de tempo da palestra, de uma forma abreviada e resumida sobre essa questão. Mas vamos perceber que quando o alquimista fala das forças naturais que está movimentando, ele fala de forças do universo material ao nosso redor, mas que também estão dentro de nós. E como em todo processo iniciático, elas precisam ser controladas ou orientadas dentro de um determinado "vaso" ou recipiente, que pode ser tanto um vaso material (um vaso de vidro), quanto pode ser o nosso linga sharira (nossa aura ou corpo de forças) representando a garrafinha dentro da qual nós estamos sendo cozidos por esse fogo do alquimista. Nós somos a matéria primordial, como um punhado de terra pode ser a matéria primordial para outro indivíduo.

Quando o alquimista está falando do Sol e da Lua, nós podemos assimilar essa figura a duas fontes de inteligência que existem também dentro da nossa vida, orientando também o nosso comportamento. Associados ao Sol temos determinados aspectos de nossa mente, começando pela consciência. É a luz da razão, constituindo a nossa vida mental, a nossa vida intelectual.

A Lua estará associada aos sonhos, à inspiração do poeta, coisas que não são parte do que chamaríamos de nossa vida intelectual. Algumas pessoas gostam de associar a Lua à nossa vida emocional. Mas nós vamos seguir um outro padrão para entender isto melhor e vamos associar logo a Lua ao nosso corpo. É no corpo que a Lua aparece mais claramente. Quem não sabe o quanto a Lua interfere nos fluxos dos líquidos do nosso corpo. Toda mulher sabe disso porque passa pelo ciclo da menstruação. Todo homem sabe disso, especialmente quando o cabelo começa a cair e vemos buscar as tabelinhas lunares para cortar o cabelo na lua certa. Todo mundo, de um jeito ou de outro percebe uma interferência da Lua diretamente nos fenômenos ligados ao funcionamento do seu próprio corpo, ao funcionamento de suas glândulas, do seu aparelho circulatório, a própria circulação. Tudo em nosso organismo parece estar misteriosamente ligado às atividades da Lua.

Os antigos também associavam o corpo à natureza da Lua. Mas se eu estou associando o corpo à Lua, as emoções não estão ligadas ao corpo? Vamos dar um voto de crédito aos antigos e vamos imaginar que as emoções também estejam associadas ao Sol. Os indianos dizem o seguinte: as emoções aparentemente mexem com nosso corpo (ragas), mexem com nossos desejos e com nossa natureza corporal, mas sempre passando por uma percepção consciente de alguma coisa que acontece ao nosso redor. As emoções brotam a partir de estímulos da nossa consciência. Ela pode ser modificada por fatores inconscientes, como a própria atividade intelectual também pode, mas a sua origem está naqueles elementos que brotam a partir da nossa experiência consciente.

A cor das emoções é o vermelho. Claro, quando eu fico emocionado, às vezes eu fico ruborizado. Mas o vermelho é uma cor naturalmente relacionada ao calor e à natureza solar. O intelecto se diz que é amarelo. Alguns clarividentes dizem que o intelectual tem a aura amarelada. Então vamos imaginar que as emoções, assim como nossa vida intelectual, estão ligadas à nossa vida consciente. Pois a emoção, como a própria palavra diz, é originada por fatos externos à nossa vida e aos limites do nosso corpo. Ela não tem origem interna. Não tem origem diretamente ligada a nós. Está associada a um fato externo que nos mobiliza internamente.

Para dizer isso de uma outra forma, tanto as idéias que constituem a nossa intelectualidade quanto as nossas emoções estão associadas a objetos externos, ou fatores externos – daí a necessidade dos processos da consciência para que sejam integrados à nossa vida interna e à nossa identidade pessoal. O Sol nasce para todos, ilumina a todos, revela a natureza de todos para todos. Tudo isso tem um caráter bastante coletivo. A consciência é coletiva. Embora se costume dizer que apenas o inconsciente é coletivo, na verdade percebemos que a consciência é coletiva.

Por outro lado, tudo o que diz respeito ao corpo traduz aspectos da nossa identidade pessoal.

Se nós entendermos bem essa chave de separação das naturezas vamos entender o mecanismo dessas forças utilizadas pelo alquimista.

O corpo revela a nossa identidade. Vejam bem, o fato de eu ter nascido no Brasil, de eu torcer para um determinado time de futebol, de eu participar de um partido político, ter uma formação numa faculdade, isso tudo não me torna um indivíduo diferente dos demais. Isso me torna igual aos outros. Se eu nasci no Brasil, como tantos outros, eu sou brasileiro como eles. Se eu torço para um time de futebol, como tantos outros, eu sou um torcedor igual a eles. Eu crio uma identidade baseada no quanto eu sou igual aos outros. Onde é que eu me distingo das demais pessoas por características próprias, que ninguém mais possua? É no meu corpo. Se alguém me pedir uma identificação eu posso naturalmente responder que eu sou o brasileiro ou o corinthiano – o que é válido se não houver outro brasileiro ou corinthiano nas proximidades – mas eu posso ter como resposta: "muito bem, mas eu também sou. Logo somos a mesma pessoa, certo?". É claro que não. O que eu posso oferecer como identificação positiva de mim mesmo? Uma impressão digital, por exemplo. Uma foto da minha íris, ou um exame de DNA. Tudo são características do meu corpo, partes de meu corpo que me dão uma identidade única em todo o universo. Não existem dois indivíduos com a mesma impressão digital. Não existem duas pessoas com as mesmas características corporais. Cada corpo é diferente e essa diferenciação é produzida pelas forças lunares. A Lua simbólica nos lembra essas forças que criam cada corpo diferente dos demais, cada floco de neve diferente de todos que já existiram ou que existirão, cada átomo diferente de cada um dos outros, conforme a intuição de William Crookes revelava.

(...) fim da primeira parte da fita

[Lacuna de cerca de 20 minutos?]

Resumo do assunto tratado na lacuna:

Nossa natureza corporal e nossa natureza mental são duas metades que, quando desprovidas da presença integradora do mercúrio filosófico, são totalmente incompatíveis entre si. O corpo caminha numa direção e a mente caminha em outra.

Nossa identidade consciente e nossa identidade corporal se separam, dando-nos uma expressão falsa e artificial.

A busca da integração das naturezas opostas é a essência do trabalho do alquimista. No entanto essa busca não acontece apenas dentro da oposição entre o solar e o lunar em nossa estrutura. Dentro da própria natureza da mente existe uma dualidade, corporificada aqui pela luta entre a emoção e a razão, e que precisa ser controlada e colocada em equilíbrio pelo alquimista para que se realize a sua obra. Não se confunde com a luta entre o Sol e a Lua (o rei e o lobo que vimos há pouco), pois se trata de dois elementos que compartilham a mesma natureza solar da nossa metade consciente. Os alquimistas representaram essa luta pela imagem de dois leões, um verde e outro vermelho, em combate feroz. O controle dessa luta eqüivale ao controle do fogo que aquece a terra primordial e que se traduz pela realização das transformações pelas quais ela passa até manifestar os sinais de que está completa.

A luta entre a natureza solar e a lunar é representada pela luta entre o leão (solar) e o unicórnio (lunar).

A finalidade desse confronto de naturezas dentro do eixo razão-emoção é induzir a construção de um canal interno ligando o corpo ao espírito individual.

[Fim da lacuna]

(...) início da segunda parte da fita

(Fernando Gramaccini falando)


.., e a mesma coisa fala o Bhagavad Gita, que é o seguinte: "o objetivo da terapia é saber viver, saber passar pelas coisas tristes e pelas coisas alegres sem perder o seu equilíbrio interno". Krishna fala a Arjuna no Bhagavad Gita o seguinte: "o verdadeiro Yogue é aquele que não se alegra demais com as coisas boas, nem se entristece demais com as coisas ruins". Não come demais nem de menos, não dorme demais nem de menos, que é o caminho do meio, de Buddha.

Esse caminho do meio, - que não é só na palavra, porque eu venho falando do caminho do meio há vinte anos, só que as minhas ações não seguem o caminho do meio (vira e mexe, e eu escorrego na ponte e caio para o lado esquerdo ou direito) -, então o que é isso? É justamente um processo interno que não foi concluído. As terapizações não precisam vir só em consultórios de psicanálise. Isto é só um dos caminhos. A pessoa pode terapizar de várias maneiras, pela oração, pela meditação. Mas essas forças internas precisam ser equilibradas para que esse interno, esse "self", que é uma expressão da nossa essência muito maior possa dirigir a nossa vida psicológica e a gente possa falar e agir da mesma forma.

A alquimia existe de várias formas, e eu quis trazer essa parte do Jung – você chegou a comentar alguma coisa dele. Teosoficamente falando isso são as iniciações até chegar ao mestrado, quando a pessoa tem uma expansão de consciência plena. Ou ao samadhi, quando a pessoa tem uma expansão de consciência universal. O Gopi Krishna descreve o que acontece quando kundalini estourou na cabeça dele, ou seja, quando kundalini subiu pela espinha e chegou ao cérebro. Ele disse que numa fração de segundo a mente dele abarcou todo o universo, apagou todo o processo do tempo e ele se sentiu integrado com todo o universo. Ele disse que se sentiu como se fosse todo o universo ou como se fosse um grão de areia.

E isso são palavras para explicar esse processo de expansão da consciência total. Quando, uma vez feito esse processo da individuação e esse processo da alquimia libera-se essa energia que, da mesma forma, quando libera no átomo é uma explosão atômica porque ela é nesse caso destrutiva, desencadeada sem um caráter organizado. Mas esse processo do samadhi é um processo, em níveis metafísicos, como uma explosão atômica construtiva. A mente consegue quebrar os seus próprios limites para experimentar diretamente aquela essência última de cada um.

Acho muito interessante essa abordagem, que eu nunca tinha visto. Eu não conhecia a alquimia desse jeito. Mas a inteligência intelectual e a inteligência emocional por um lado, e do outro lado a inteligência espiritual e corporal indicam uma coisa de que hoje em dia se fala cada vez mais. Se você não trouxer a terapia para o corpo, você fica só no discurso.

Carlos Eduardo – Para dar uma amarração final, como o Fernando trouxe uma visão complementar bem ilustrativa dessa visão ocidental, talvez caiba uma informação que tenha faltado dizer.

Como nós pautamos nossa cultura muito pelo aspecto intelectual, as nossas religiões também ganharam essa mesma visão intelectual. E o nosso ser supremo é quase sempre representado por uma figura masculina. O alquimista representa essa inteligência espiritual, que vai estar em última análise associada à divindade, por uma figura feminina.

Quando nós examinamos a maneira como essa questão é aceita pela população, o povo em geral tomado coletivamente (como se diz "vox populi, vox dei"), percebemos que para o povo não existe Deus, mas sim a Deusa-mãe. Existe Nossa Senhora, Ísis, Shri ou Lakshmi, que são deusas que representam o espírito supremo. O povo não reza para Deus, reza para Nossa Senhora, para a mãe de Deus, que é mais do que Deus. Ela vem antes, e está justamente representando as forças deste lado (lunar), as forças corporais e espirituais se integrando na figura da deusa. E muitas delas são representadas escuras, tenebrosas, associadas à noite (o imaginário católico coloca o crescente lunar aos pés da Virgem Santíssima) e à luz que brilha na escuridão. São deusas encontradas nas águas pelos marinheiros e pescadores (as Aparecidas), ou deusas encontradas em criptas junto aos poços ou fontes subterrâneos (as Virgens Negras). Essas são as imagens das forças que a população normalmente associa à divindade.

Mas nós, intelectuais, preferimos colocar barbas na Virgem Maria e chamá-la de Deus. Essa figura masculina é própria da visão solar, da visão intelectual da divindade. Entre uma e outra aparece a imagem do mercúrio filosófico que os católicos converteram em suas hierarquias de anjos.

Vamos agora abrir espaço para perguntas.

Carlo Corabi – eu teria duas colocações. Uma é sobre o mercúrio. Como símbolo eu acho interessante a simbologia dele por causa dessa ambivalência, dessa ambigüidade. Primeiro por ser um metal líqüido, porque quando se fala em metal logo vem a idéia de uma coisa sólida. Outra por causa de sua densidade. Quem já teve chance de manipular, ver um frasco com mercúrio, vê que se quebra um pouco essa noção que a gente tem de peso, pois um copinho de café de mercúrio deve pesar...

Fernando Gramaccini - ...treze vezes o peso da água.

Carlo Corabi - ... isso. Um outro aspecto é o da coalescência. A gente pega uma gota de mercúrio, estoura, e existe uma desorganização. E depois, se juntarmos as gotas há o processo inverso, da fissão. Volta a formar uma unidade. Também pode ser usado na idéia da centelha divina, com um fragmento que sai e retorna mantendo aquela unidade. Um outro ponto que eu acho interessante é a questão do alquimista, que geralmente vem à idéia como se ele fosse um agente passivo, e fica bem claro que ele é ativo, ele participa da reação química, senão não ocorre. Então não adianta copiar fórmulas e procurar estudar e repetir porque existe a participação integral.

Um terceiro ponto é que quando se fala em leis imutáveis – isso é um conceito que eu venho estudando um pouco – isso é válido dentro de um sistema. Essas leis podem ser imutáveis, eternas, mas com certas ressalvas. Dentro de um sistema, como é fruto de uma resultante de forças, ela vai ter um comportamento. Mesmo tentando repetir fórmulas em épocas diferentes, em situações climáticas e em situações espirituais diferentes vai haver uma resposta diferente. Isso é o que falta um pouco na visão atual. E eu achei interessante naquela palestra do [Rupelt] Sheldrake (no teatro da PUC São Paulo), que está nesse caminho, quando ele questiona essa idéia da imutabilidade dessas leis. É só isso.

Carlos Eduardo G. Barbosa – Em relação à sua segunda colocação, a maior parte dos tratados de alquimia estão desse lado aqui (solar). Eles servem para a consciência do estudante. Mas é como eles dizem: isso é só a forma externa. Você precisa descobrir o espírito interno por trás desses símbolos, por trás dessas palavras, dessas fórmulas. Tem que viver a alquimia de fato. Quanto à imutabilidade das leis, isso já está caindo por terra. Hoje se tem uma visão mais orgânica, mais viva do universo do que se tinha há dez anos atrás. Isso tem mudado rapidamente. O que nós percebemos é que a visão do alquimista ressurge de uma outra forma. Ninguém vai dizer que é a visão do alquimista, mas inevitavelmente vamos chegar lá.

Ricardo Maffia – (...) com relação àquilo que você abordou também com relação à parte do discipulado. Da parte da iniciação das iniciações. O verdadeiro processo alquímico acontece com o indivíduo que está se voltando a esses assuntos. E o aspecto mais importante, o da cura que se dá em cima de toda uma sintomatologia, porque nesse processo todo o indivíduo acaba desenvolvendo neuroses, fobias, depressões, porque – como disse o nosso amigo lá - existe uma reação química, mas química mesmo também da própria pessoa. Seus aspectos negativos vêm para cima, vêm à tona os seus aspectos positivos também. Como a própria madame Blavatsky falava, não provoque os poderosos em função do aspecto cármico do desenvolvimento espiritual. E nesse processo que dá até uma espécie de despersonalização, nesse sentido, a cura vem por ação do desapego, o que na nossa palavra também um sinônimo de desapego poderia ser a caridade. Realmente é a pessoa pensar no próximo, porque é muito bonito, enfim, os esotéricos sentam, comentam e falam sobre a caridade, sobre o altruísmo, sobre a fraternidade, sobre o amor, mas na hora em que realmente começa o processo, é aí que eles realmente são cobrados a se posicionarem dessa forma. É nessa hora que começa o processo de individuação, o nascimento do "Self". É isso o que eu queria dizer.

E obrigado por você ter organizado essa palestra.

Carlos Eduardo – Aproveito o gancho do teu comentário, muito feliz a lembrança, sobre esse aspecto da cura provocada pelo processo alquímico, que fez que os próprios alquimistas chamassem a sua arte de "medicina espiritual". A alquimia é chamada pelos próprios alquimistas de Medicina. E a transformação que se opera é realmente muito grande, muito intensa. O indivíduo se volta para o próximo, para fora de si mesmo.

Isso é um fato notável, que os próprios alquimistas sempre procuraram demostrar. A cura é tão intensa que quando o alquimista atinge a perfeição na obra, quando a estrela nasce na terra cultivada, o líquido que circula e brota a partir daí, o sangue da terra (que é vermelho como um rubi), iluminado pela presença da inteligência espiritual, lhe dá imunidade ao próprio envelhecimento. É o lendário Elixir da Vida Eterna (ou da longa vida), e que é justamente a panacéia, o remédio para todos os males. Embora não fosse o objetivo da obra, era o indício de que os objetivos haviam sido atingidos.

Da mesma maneira, o processo iniciático, no ponto da iniciação final o adepto passa a desfrutar do direito de morrer na hora em que quiser, e somente se quiser morrer. Há talvez um pouco de fantasia nisso, mas também um pouco de realidade. Na verdade o iniciado teria uma vida com uma duração muito extensa, baseada nesse princípio de que não há mais o desgaste desses combates entre as naturezas que ficam perturbando a vida dele.

Fernando Gramaccini – Ficou uma coisa do que o Ricardo falou, que é uma coisa que eu tenho trabalhado muito ultimamente. Nós passamos séculos e séculos falando no "o que fazer". É o lado direito (solar) ali. Então as religiões trouxeram por anos, séculos, milênios seguidos o que você tem que fazer. Mas como você faz?

"Não sei, não quero saber, e você que se vire. Você que vá expiar no fogo do inferno...". Ou você acerta, não sei como, ou você vai para o inferno.

O que é o "como fazer"? É o chamado "pulo do gato". Você disse e outros espiritualistas falam. Mas para o seu dia-a-dia o Krishnamurti propôs uma forma do "como fazer", que é a auto-observação. Ele não propôs, ele enfatizou neste século, mas isso é antiqüíssimo no oriente. A auto-observação, uma corajosa observação das nossas emoções e dos nossos desejos.

Eu não sou caridoso por que? Eu não preciso dar tudo o que é meu para salvar o mundo. Isso não é a melhor obra. Mas o pouco que eu tenho, e do pouco que eu der para a pessoa certa, eu estou fazendo muito pelo mundo. Tem uma metáfora que diz que um menino andava de manhã na praia pegando as estrelas do mar que tinham sido jogadas pelas ondas na areia e jogava de volta para o mar. Então passou um homem e perguntou: "Por que você está fazendo isso? Olhe a infinidade de estrelas que estão fora do mar". E o menino respondeu: "Pelo menos esta eu salvei". E o homem pôs-se junto com o menino a jogar as estrelas de volta para o mar.

Eu não preciso ser um Rockefeller para ajudar os outros. Eu não preciso ser um Jesus Cristo para ajudar os outros. Mas se dentro da minha medida eu fizer alguma coisa, aí as coisas já começam no "como fazer". Tem uma frase alquímica que diz que o universo conspira a nosso favor. Aquela sincronicidade do Jung é um reflexo cabal da lei dos alquimistas. O universo conspira a nosso favor. É dando que se recebe. Quando eu lanço uma estrela no mar, alguma coisa volta, porque é lei.

É muito importante isso. Hoje a ciência do comportamento moderna, nos últimos dez anos, através de tomografias computadorizadas, através de inteligência emocional, através da programação neurolingüística, através de várias linhas, está nos dando o "como fazer". E aí são processos de transformação, de integração da pessoa consigo e com a sociedade. É por isso que a religião, durante tantos anos, foi tão forte e tantas guerras houveram. Porque todo mundo sabia o "que", mas o "como"...

Pergunta – Ao nível da alquimia, a parte sutil da alquimia, que aliás os alquimistas se pudermos observar os livros, os tratados, eles colocam as leis que você aplicou e as leis que vocês também aplicaram, sem essa lei, sem esse equilíbrio esse lado sutil... porque alquimista além de trabalhar do lado físico, se ele não trabalhar do lado sutil ele não consegue nada. E como ele mesmo colocou há pouco, se da primeira vez ele consegue, que atuou por lá com as transformações e com as outras leis, às vezes ele conseguiu ali, agora. Mas da outra vez que ele for tentar fazer com os mesmos materiais, com as mesmas oportunidades, acaba não conseguindo. A nível físico, porque Paracelso e outros alquimistas dizem que a alquimia, não sei se ... de acordo com a época, ... eles falam de três reinos: o reino mineral, o reino vegetal e o reino hominal. Aí fala do enxofre, do mercúrio, e fala do Sol. Eles estão aplicados nesses três reinos de várias formas. Então para resumir, no nosso reino, o que está sendo aplicado aí, nós como homens, e mulheres também, nos alimentamos com o forno oculto. Dê o alimento, dê ele sólido. O peso, a matéria que entra, a matéria que sai, mas a parte sutil, que é o ouro filosófico, o espírito, o espírito católico, o espírito daquela parte das proteínas, das vitaminas, é o que fica. É quem faz o ouro ou o sangue, que é um dos nossos ouros (...). E para tudo isso também ainda vemos uma outra parte espiritual que seria o equilíbrio com as energias sutis que nós desconhecemos em nosso corpo, como os chakras, alguns chakras. E também temos ida, pingala, e sushumna, a atração masculino-feminina, homem e mulher, as leis cármicas, tudo conspira não é? E se a gente tem o equilíbrio - não a gente separar o espírito nem o corpo, mas juntar, fazer com que o fator espírito-corpo se equilibre, fazer que as águas caiam do céu e esse fogo, essas energias façam com que as águas retornem para o céu (...) nos transformando. A verdadeira alquimia, dizem, consiste não em transformar o chumbo em ouro nem o estanho em prata. Mas sim transformar o homem com espírito de barro no homem como sendo o grande alquimista, com o espírito de ouro.

por Carlos Eduardo G. Barbosa


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